23 de março de 2015

Rock Brasileiro: 7 – Ontem e Hoje

Em menos de um mês vi e li programas, eventos e matérias que falam da cena rock atual do Brasil. Tudo coincidiu com o texto que postei sobre novidades. Um monte de gente procurando explicação para a falta de uma cena seja ela underground ou mainstream. Junto a tudo isso veio uma boa prosa com o bom e velho amigo Ricardo, baterista do Terminal. Aí veio a vontade de escrever algo...

É preciso entender o contexto do que foi e do que é hoje o rock brasileiro. Sua importância ontem e hoje.

Mesmo sendo em menor número, ainda percebo pessoas com certo preconceito em relação à geração 80 brasileira. E não entendo o motivo, além da má qualidade de produção e gravação. Mas ao mesmo tempo vejo que esse preconceito vem também por ignorância, por não conhecer os discos e o repertório, não ter visto shows, enfim, por não ter vivido aquilo tudo. É mais fácil não gostar sem conhecer, mais cômodo.

Me direciono mais, claro, a atual cena pseudo alternativa que só gosta de citar bandas gringas desconhecidas como influência (é mais legal, né?). Mas esse povo aí não sabe que lá no início dos anos 80, muitas dessas bandas brasileiras já citavam influencias que músicos de hoje se orgulham em citar. Quando havia oportunidade de dar entrevistas, e também durante os shows, essas bandas dos 80 citavam Clash, Joy Division, Stray Cats, Police, Cure, Dead Kennedys, Gang of Four, The Who, Dr. Feelgood, a cena 2 Tone, e tantas outras, mas com uma diferença: essas bandas citadas ainda estavam na ativa, e algumas ainda no underground, tidas como alternativas, como era o caso, por exemplo, do U2, REM, Smiths...

Toda a geração 80, antes de fazer sucesso, fez parte do underground, pagou pra tocar, perdia o dia inteiro por conta de um showzin pra 20 pessoas, não recebia cachê (cachê? hahaha), era mal recebida pelos donos das casas... Ou seja, tudo igual ao que ainda é hoje. E falo de Legião Urbana, Os Paralamas do Sucesso, Titãs, Ira!, Barão Vermelho... Não são bandecas!!! Ah, e tinha o agravante de se passar meses juntando grana para gravar uma demo que depois, na maioria do casos, ninguém dava bola.

Tem músicos que reclamam de não haver espaço. E não tem mesmo! No país inteiro não tem nem meia dúzia de rádios dedicadas ao rock, há uma só revista especializada de grande força, que é a Rolling Stone, não há tradição de casas noturnas, e os festivais alternativos, que também não passam de meia dúzia, ou já não são mais tão alternativos assim ou não tem tanta importância. As emissoras de música também não tem mais poder de influência, apesar de dar espaço a novos artistas. Tem a Play TV, Bis, Multishow, Music Box Brasil, Canal Brasil e todos eles passam clipes, shows, além de programas especiais.

Não dá mais pra reclamar. Qual razão para o cara da casa noturna investir dinheiro em um bom equipamento de som e luz? Será que o show de uma banda desconhecida, com um repertório autoral é o que chama público? Não mais. E é aí onde quero chegar!

As coisas mudaram, e muito! É preciso entender o contexto para cada década a partir dos 80, quando o rock brasileiro finalmente chegou ao mainstream. A primeira metade dos 80 foi governada pelos militares, e foi o mesmo período em que todas as bandas que chegaram ao sucesso, e muitas outras, surgiram. Além das que citei acima, ainda tem Ultraje a Rigor, Plebe Rude, Camisa de Vênus, Capital Inicial, Kid Abelha, Smack, Voluntários da Pátria, As Mercenárias e outras.

Não havia acesso a produtos importados, as gravadoras não lançavam tudo o que fazia sucesso lá fora, e tudo chegava atrasado aqui. Muitos lançamentos só saiam 6 meses depois, ou mais, do lançamento mundial. Foi assim com U2, Smiths, Talking Heads, Clash, Cure, Queen, Van Halen, Kiss. Falo em 6 meses mas, na verdade, tinha disco que demorava anos até a gravadora resolver lançá-lo aqui. Em outros casos o artista já tinha 8 discos, mas a gravadora lançava apenas um, o que tinha a grande música de sucesso. Havia as exceções, mas eram poucas (se era assim nos 80, imagine nos 60 e 70!). Quando minha irmã chegou de seu intercambio da Itália, em agosto ou setembro de 1982, trazendo diversos discos, entre eles o recém lançado Combat Rock do Clash, em casa tinha fila de fitas para serem gravadas.

Era tudo novidade. Pela falta de opções, o jovem dos anos 80 não tinha muita coisa a se apegar. Nessa época a música foi válvula de escape pra muita gente, entre elas as que resolveram formar uma banda. Era legal comprar discos, ir à casa do amigo para passar a tarde gravando-os. Esse era o diferencial, não só pela música, mas pelas roupas, os cabelos, acessórios. A música era algo importante, todos tinham suas pick ups, equipamentos de som, um bom tape no carro. Videoclipe era coisa de outro mundo (acho que durante toda a década de 80 assisti a apenas duas ou três vezes o  “Rock the Casbah” do Clash). Tudo era mais difícil, tudo atrasado. O interesse pela música era enorme!

Ao mesmo tempo em que a discoteca estava acabando, começavam a surgir as danceterias, já tocando esse novo rock. São Paulo, claro, foi a pioneira. Você saia pra dançar Clash, Cure, New Order, Smiths, Talking Heads, Bauhaus, Siouxsie, Echo and The Bunnymen e também para assistir a um show de rock, o que era algo absolutamente diferente.

Algumas dessas danceterias ainda tinham monitores de tv passando clipes e shows, o que era um grande diferencial. Digo isso em uma época que quase ninguém tinha videocassete em casa, coisa que só foi acontecer a partir de 1985. Era raro você ter uma imagem de seus artistas favoritos, seja em fotos ou vídeos.

Era legal você falar na escola que no final de semana tinha assistido a um show de rock, visto um show do Bauhaus na tv da danceteria.

Ver a um show era algo marcante porque não era só ver a banda tocando, mas ver ao vivo uma guitarra, um baixo, o cara sentando a mão na bateria, instrumentos que só víamos em fotos e vídeos. Era diferente. E você ter acesso a tudo isso em um final de semana, te fazia ser diferente, era quase que uma contravenção. Os pais continuavam não gostando de rock, ainda mais feito por gente que pintava o cabelo e usava calça rasgada. Por tudo isso, todo mundo parava para assistir aos shows. Dessas bandas do mainstream brasileiro dos 80 que citei, antes de gravarem seus respectivos primeiros discos, muita gente já conhecia e cantava o repertório. Assistir a um show de rock era como confrontar a ditadura militar. As pessoas prestavam atenção, queriam a fita demo – e você dava sua fita para o cara da banda gravar pra você.

A verdade é que o show dessas bandas todas, e falo de todas essas que estão aqui no texto, mais a cena punk e pós-punk paulistanas, o pessoal do Sul, de Minas. Eram shows bons, pesados, sujos por causa da má qualidade do equipamento, eram provocadores, tinham bons discursos. Ou seja, muito melhor que a coisa chinfrin que é hoje. Eu vi shows que, sendo um punk, tinha certeza que eu iria fazer piada e acabei ficando quieto. Falo de Blitz, Rádio Taxi, Tokyo, Kid Abelha, Lulu Santos, o próprio Barão Vermelho (com Cazuza). Todos showzaços.

É bom lembrar também que era um período em que não havia shows internacionais, que só começaram a ficar mais constantes a partir de 1987-88, o que fazia um show de uma banda local ter mais valor! Hoje isso não existe mais. Acabou. O rock deixou de ser a novidade, o diferencial

Esse é um dos motivos pelo qual atualmente os donos de casas noturnas não investem tanto em equipamento, iluminação e boa estrutura para shows. Não é mais isso que atrai o público. E, claro, aliado a tudo isso, está à má qualidade das bandas atuais. Volta e meia vejo esses pequenos shows, e a maior parte do público da casa ou está no bar conversando ou fora, fumando.

O rock perdeu sua força. Culpa de quem?!? De ninguém! Hoje as coisas simplesmente mudaram. (lembrando que a má qualidade das bandas atuais não ajuda em nada)


PS: No meio disso tudo tem os anos 90, mas aí faço outra postagem...

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