15 de novembro de 2013

Série O Resgate da Memória: 33 - Capital Inicial na Revista Roll (1983)

Eis aqui a primeira grande reportagem com Capital Inicial. Ela foi publicada no número 1 da revista Roll, em outubro de 1983. Nessa época as bandas da Turma da Colina começaram a invadir o eixo RJ-SP, e a chamar a atenção do resto do país. A Roll era a principal referência musical do período entre 1983 e 1985 (como escrevi no R64), e não era fácil aparecer em suas páginas, pois era a Rolling Stone, a Billboard, a MTV daquela época, apesar de não ter a qualidade dos nomes que citei (logo postarei um texto sobre a Roll). Raridade absoluta.
PS: Como sempre faço, transcrevi o texto com todos os erros originais.





Qual o lugar mais misterioso do Brasil atualmente? Brasília é claro. Não se sabe ao certo o que está acontecendo naquela cidade. Tudo são rumores, boatos e disse me disse. Declarações e desmentidos oficiais. As pessoas somem de repente e reaparecem em Nova Iorque ou Paris, mas logo vozes e porta vozes oficiais surgem dizendo que não foi bem assim que tudo não passou de uma ilusão de ótica. Mas em meio a todos esses mistérios uma coisa é certa: em Brasília está rolando bom rock and roll.

Se na área política os altos escalões de Brasília tem mostrado uma indecisão galopante na hora de explicar o que está havendo, pelo menos na área do rock que vem sendo feito lá, as pessoas parecem saber exatamente o que querem. Talvez seja porque a maior parte dos grupos que estão atuando lá no momento tem, ou já teve uma relação bem íntima com o movimento punk. Aprendeu a dizer o que pensa sem metáforas ou eufemismos. Mas apesar de objetividade quase jornalística nas letras o público brasileiro quase não tem acesso a elas, ou melhor, não tem acesso nenhum. São metáforas, insinuações e dechavações. Clareza e objetividade nunca.

A maior parte dos brasileiros ficou conhecendo os punks que existem no país através do programa Fantástico da TV Globo. Mas os punks até hoje abominam aquela reportagem que foi ao ar num domingo a meses atrás, via satélite para milhões de brasileiros. Em meio a salada fantástica que o programa costuma apresentar, misturando números circenses com acrobacias de motociclistas malucos e feitos milagrosos de curandeiros paranormais, os punks acabaram por serem mostrados também como uma aberração social. “Um horror” teriam dito as mamães e papais sentados na frente da televisão. “Uma palhaçada” teriam dito seus filhos. Daí por diante todos passaram a saber como é um punk, mas muitos poucos sabem mais além do que o tipo de cabelos e roupas que eles usam. As lojas e butiques abriram as portas para a moda punk mas as rádios e canais de televisão continuaram fechadas para a música que eles tocam.

O que muita gente ignora no entanto, é que por volta de 1978 quando a maioria dos brasileiros sequer tinha ouvido a palavra punk, já existiam vários deles aqui no Brasil, mais precisamente em Brasília. Uma cidade que não se parece em nada com Londres ou Nova Iorque e onde os jovens não precisam temer uma guerra nuclear, pois segundo as várias seitas místicas estabelecidas por lá, a região será a única, que escapará do holocausto final. 


Os primeiros punks foram surgindo por lá como uma reação a disco music que então dominava o país. Eram os dancin days e todos seguiam os passos de John Travolta ao som dos Bee Gees. Segundo Dinho, o vocalista do grupo Capital inicial, um dos existentes em Brasília, naquela época eles estavam mais sintonizados com o que estava acontecendo em Londres, do que com o que era veiculado pelo eixo Rio – São Paulo. Influenciados por Sex Pistols, The Clash, The Damned, começaram a fazer suas primeiras apresentações em qualquer lugar onde houvesse tomada para ligar as guitarras: bares, lanchonetes ou o campus da Universidade de Brasília.

Hoje, todo mundo sabe o que é punk, Gilberto Gil inclusive, que naquela época cantava Realce, diz agora que é punk da periferia. Enquanto isso, Dinho e seus companheiros de Capital inicial não estão mais interessados em dizer “sou punk”. De lá pra cá, eles, que foram um dos precursores do movimento no Brasil, amadureceram e abandonaram os radicalismos seja na maneira de se vestir ou de fazer música. Loro, o guitarrista do grupo é bem claro quanto a isso: “Os jornalistas têm mania de perguntar se nós somos punks. Isso não interessa. O que interessa é a música que fazemos hoje”.

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