24 de abril de 2016

Lembranças Musicais (Bobagens pessoais.......)

Deixa eu explicar como sou. Dois momentos: um dia troquei Erasmo Carlos (Carlos, Erasmo) por Dead Kennedys (Demos, 1978). Também já troquei Itamar Assumpção (Beleléu Leléu Eu) por The Hives (The Black and White Album).

Certamente já troquei Clash por Caetano, Exploited por Arnaldo Baptista. Claro que um dia fui radical, mais exatamente até meus 15 anos quando, em uma época totalmente submergido no universo hardcore, descobri The Durutti Column e o King Crimson da trilogia (Discipline, Beat e Three of Perfect Pair). Mas só fui me jogar mesmo em outros sons fora do punk rock apenas aos 17 anos.

A MPB já estava no sangue, até porque em casa era normal escutar música brasileira. Então, apesar de escutar Exploited, GBH, Discharge, Rattus, Anti-Pasti, Riistetyt, eu também escutava Chico e Bethânia ao vivo no Canecão, Elis Regina, Caetano e Gil, Chico Buarque, e muita música caipira com Rolando Boldrin, Renato Teixeira, Tonico e Tinoco, Inezita Barroso, Alvarenga e Ranchinho... Meu pai, agrônomo formado em Piracicaba, ouvia a música caipira da roça dos anos 70 e início dos 80.

Além disso, escutávamos música italiana e francesa (principalmente Edit Piaf, Serge Gainsbourg e Charles Aznavour).

E misturado a tudo isso ainda tinha o rock hippie e a folk music do final dos 60 e início dos anos 70. Meu pai ganhou uma bolsa para doutorado e toda família foi para Columbus, em Ohio (EUA) e lá ficamos de 1971 a 1973. Nesse período as novidades eram Grateful Dead, Creedence Clearwater Revival, The Mamas & The Papas, Simon & Garfunkel, Carpenters, Fleetwood Mac, America, Joan Baez, Buffalo Springfield, Grateful Dead e também muita soul music de primeira qualidade.

Em 1980, quando eu tinha 10 anos, minha irmã mais velha apareceu em casa com uma fita que tinha Ramones, Sex Pistols, Siouxsie and The Banshees e alguma outra que não lembro (talvez Generation X). Era uma fita de 60 minutos, e tinha 15 minutos de cada banda. Ela escutava muito com os amigos, e quando eu ouvia de rebarba também gostava. Nessa na mesma época começaram os shows no Food’s, lanchonete que ficava ao lado de casa, e lá tocavam bandas que anos depois viriam a ser Plebe Rude, Capital Inicial e Legião Urbana.

Eu parava com minha bicicleta nesses shows, que eram sempre de sábado ou domingo a tarde, e ficava vendo tudo. Me chocava mais ver o pessoal do que as bandas. Claro que era ultra mega legal poder ver de perto instrumentos que víamos em poucas fotos de nossos ídolos, mas ver os cabelos coloridos, as calças rasgadas, os bottons, as camisetas de bandas, estampas feitas a mão, tênis e roupas sujas. Era exatamente eu, moleque que vivia na rua, todo ralado e todo sujo, mas em versão maior (eu tinha 10-11, o pessoal tinha da Turma tinha 15-18).

A partir desse momento, minha vida mudou e abracei o punk rock. Com 12 anos já queria ter minha banda rsrs.

Aí então radicalizei e passei a escutar apenas punk rock, e o que eu mais gostava era: Ramones, Sex Pistols, Clash, Jam, Stranglers, Generation X, Buzzcocks e Dead Kennedys. Mas também já escutava o pós punk e o gótico. PIL, Siouxsie, XTC, Gang of Four, Talking Heads, Joy Division, Cure, Bauhaus, Ruts. Disso tudo para o hardcore foi um pulo. Tinha época que eu dormia ouvindo Exploited e coletâneas de hardcore finlandês! O bicho pegou por dois anos entre os 14 e 15 rsrs.

Esse radicalismo foi ruim. Depois, chegando em SP, aos 17, abri geral: era Led Zeppelin, Black Sabbath, Beatles, Arnaldo Baptista, Itamar Assumpção, Metallica (que já escutava de leve em BsB por causa dos amigos beangers).

São Paulo também me possibilitou conseguir, milagrosamente, dois discos do Red Hot Chili Peppers: Freak Styley e The Upflit Mofo Party Plant. Adorava a banda, mas só conhecia “Mommy Where’s Daddy” e “Jungleman”. Lá em Brasília era “a banda que Andy Gill, do Gang of Four, produziu”.

Nesse período entre 1987 e 1990, o comportamento no meio musical mudou. Até então quem gostava de X não podia gostar de Y.

Antes dessa mudança de comportamento, não dava pra sair falando por aí que eu gostava de Gilberto Gil e Van Halen. Eu podia ser morto!

Foi ótimo esse radicalismo cair por terra. Foi um alívio não só pra mim, mas pra todo mundo, até mesmo pra artistas já consagrados, que abriram novos horizontes ao incorporar influencias fora do rock. Os maravilhosos Psicoacústica do Ira! e Bora Bora do Paralamas são bons exemplos. Do Paralamas ainda tem o Selvagem? de 1986, disco que muito jornalista chegou a dizer que seria o derradeiro da banda. 

E mesmo tendo poucas fontes de pesquisa, íamos atrás de informações além do encarte rsrs, e também atrás de suas influencias. Graças ao punk inglês conheci e fui atrás de The Who e Kinks. E outras bandas punks dos 70 me levaram a surf music.e soul. Queríamos saber: quem eram as influências dos nossos ídolos? E, se desse, por que não a influencia da influencia?

Eram poucas informações que chegavam até nós, e muitas vezes vinham distorcidas e atrasadas. Poucas fotos e imagens também.

Porém, apesar de fã da MPB não engulo a bossa nova. Gosto de muita música que tem 100% de influencia da bossa, até músicas de Tom Jobim, mas não consigo gostar da bossa. Acredite ou não, e digo sem precisar pensar, que um dos melhores shows que vi na minha vida foi de Oscar Castro Neves, no Free Jazz, acho que de 1988. (assisti a muito mais shows de MPB do que muita gente que se diz fã de carteirinha de MPB)

Sem radicalismo (cortei isso da minha vida). Às vezes, na rua, até brinco comigo mesmo: “quantos seres humanos nesse momento estão com o botton do Dead Kennedys e escutando Clara Crocodilo?”









16 de abril de 2016

Egoísmo em Pleno Século XXI

Ninguém é perfeito, e isso é óbvio. Porém, há quemache ser mais perfeito que outros. Pela nossa pequenez, muita gente pensa que a perfeição está no fato de ser bem sucedido(a) na vida pessoal e profissional. Mas não é bem assim. Não é nada assim! rsrs

Para o espiritismo a beleza e riqueza são muito mais difíceis de lidar do que com a feiura e a pobreza.

O que não faltam são exemplos de que fatores externos e materiais não dizem nada em relação ao sucesso ou fracasso na vida. Ninguém é superior a ninguém. Ninguém é melhor que ninguém.

Homem não é melhor que mulher. Branco não é melhor que preto. Rico não é melhor que pobre. O inteligente não é melhor que o ignorante.

Uma coisa é certa: o egoísta é inferior a qualquer ser vivo, em qualquer posição ou situação. E egoístas tem de sobra. A maldade predomina no mundo e com ela o egoísmo. Cada vez mais.

Eu gosto de observar. Esse é um dos motivos pelo qual não gosto de dirigir. Observo na rua, na festa, no restaurante, no banco, no hospital. Tenho pra mim que observar e ouvir nos faz crescer. É um aprendizado.

Vivo em um universo cruel que é a cidade de São Paulo. A SP nervosa, fria (em todos os sentidos), materialista, apressada, e que não tolera... imperfeição!

É uma terra egoísta, e como aqui tem gente do mundo todo e de todas as classes sociais, então serve como bom exemplo.

Não quero e nem vou ficar aqui filosofando muito sobre o egoísmo, mas sem dúvida saber lidar com o ego é uma virtude, assim como ter paciência.  

Estou sempre na rua a pé, de ônibus, de metrô, de trem. Observo a falta de educação que assola o ser humano. E não falo da educação que aprendemos na escola (essa sim realmente falta, e muito). É a educação da vida, das famosas palavras mágicas (bom dia, boa tarde, obrigado, com licença, desculpe...), da educação na hora de uma fila, de ceder o lugar, de ajudar a quem esteja com dificuldade. O forte acude o fraco.

Mas o problema é que nesse exato momento da nossa vida, quando temos acesso a uma infinidade de informações e conhecimento, a ignorância ganha espaço inserida no egoísmo, na lei de Gerson (levar vantagem em tudo, ceRRRto?). A maldade está no egoísmo. As piores coisas estão no egoísmo. Por isso mesmo é uma virtude saber lidar com o ego e saber extrair dele sua parte boa.

Uma de nossas obrigações é saber lidar em sociedade. Pensar no bem comum. É uma coisa óbvia e natural.

Precisa existir arma de fogo? Precisa ser tão difícil ter um bom atendimento público de transporte, educação e saúde (pra dizer o mínimo!)? Será tão difícil equilibrar as contas públicas? Ter uma boa relação internacional?

Sabia que desde que se tem registro da história do mundo, nós seres humanos tivemos pouco menos de 300 anos sem guerras?

Qual o motivo de se querer ter tanto dinheiro e tanto poder? Isso é evolução?

Sempre que posso gosto de lembrar o grande exemplo que tivemos e que poucos se tocaram. Veja o que aconteceu com Steve Jobs. Tinha dinheiro, poder, acesso ao melhor de qualquer coisa em qualquer momento, mas isso tudo o salvou do câncer de pâncreas?

Nessa virada de ano passei 40 dias ‘internado’ em um hospital como acompanhante. Vi e convivi com coisas nada legais, mas que só ajudaram a fortalecer esse conhecimento que tenho adquirido pela vida e pelos estudos. Como sempre digo aqui e não canso de repetir, agradeço até mesmo o fato d'eu poder fazer xixi sozinho, ser independente para poder escovar os dentes sozinho.

E mesmo tendo conhecimento, tenho meus momentos egoístas.

O egoísmo está destruindo o mundo e o mundo todo preocupado com o próximo IPhone.

Não sou nem 1/5000 de um grão de areia nesse mundo, mas faço o que posso para ele ser menos egoísta. Pense aí em como você pode ajudar a diminuir esse egoísmo, e quem sabe 'de grão em grão'...

Hospital São Rafael, Salvador (BA), 15/01/16 





















8 de abril de 2016

Clássicos de abril

Diferente do que muita gente pensa, o rock brasileiro não começou nos anos 80 rsrs. Só pra lembrar, de passagem, foi em 1955 que o Brasil teve 1º rock gravado aqui.

Nesse início as coisas aconteciam de forma lenta, quase despercebidas, mas a partir dessa primeira gravação, outros fatos foram surgindo. Mas se o Brasil não cuida de sua história de uma forma geral, o que dizer então da história do rock brasileiro?

E foi em abril de 1957 que aqui foi gravado um rock com guitarra elétrica. Betinho e Seu Conjunto gravou “Enrolando o Rock”, para a trilha do filme Absolutamente Certo, e foi usada uma Fender Stratocaster. Não se trata de um disco, mas vale registrar esse fato ocorrido nesse mês.

Em 1964 Ronnie Cord lançou um dos primeiros clássicos brasileiros, o disco ‘Rua Augusta’. Além da música título ainda tem “Brotinho Difícil”, e até uma versão de “Viva Las Vegas”. Mas o que ficou pra sempre foi “Rua Augusta”, clássico estupendo. Ronnie é da geração pré jovem guarda, e serviu de referência para essa geração 60. Morreu em 1986 com a mesma idade do Elvis, 42 anos. Moço e sem reconhecimento.

1970 é ano de discos maravilhosos, seja de rock ou MPB. Entre eles ‘Máquina Voadora’, de Ronnie Von. O último da trilogia de rock psicodélico iniciada em 1969 com ‘Ronnie Von’ e ‘A Misteriosa Luta do Reino de Parassempre Contra o Império de Nunca Mais’. Hoje os três são discos raros e valem ouro. Super produções! Obrigatórios!

Também em 1970 Novos Baianos lançou o 1º disco ‘É Ferro na Boneca’. É um Novos Baianos mais rock, o embrião do que veio a ser no resto da década, com toda experimentação com samba, choro... É um disco com um pé nos 60, e tem músicas que inclusive lembram a jovem guarda. Tem coisas maravilhosas como “Dona Nita e Dona Helena”, “E o Samba me Traiu”, “Curto de Véu e Grinalda” (Baby Consuelo maravilhosa!) e “De Vera”.

Pulando oito anos, em 1978, Rita Lee lançou ‘Babilônia’, o último com o Tutti Frutti. Com Beto Lee recém-nascido, Roberto de Carvalho na banda, contrato com Som Livre, as coisas estavam mudando, e mudaram. No disco tem “Miss Brasil 2000”, “Jardins da Babilônia”, “Agora é Moda”, “Eu e Meu Gato”. Ele veio em um momento de muito sucesso de Rita Lee, que tinha recém lançado o compacto de “Arrombou a Festa” junto com Gilberto Gil, e vendeu 200 mil cópias, o que pra época era grandioso (hoje voltou a ser! rsrs). Depois desse disco, seu som mudou, evoluiu e veio nova fase. ‘Babilônia’ é um discaço!

Aí os anos 80 entram com o pé direito aqui no texto, com o lançamento de ‘Grito Suburbano’, a 1ª coletânea brasileira de punk rock. Feita na garra tem Inocentes, Cólera e Olho Seco. “Eu Não Sei”, “Garotos do Subúrbio”, “Pânico em SP”, “Subúrbio Geral”. Só clássico! Essa coletânea mexeu com a cabeça de muita gente, inclusive a minha. Agradeço muito ao ‘Grito Suburbano’! Coisa fina!

1986 é ano de muitos clássicos. Em abril dois deles foram lançados: ‘Selvagem?’ do Paralamas e ‘Declare Guerra’ do Barão.

Do ‘Selvagem?’ nem vou me esticar aqui porque tem duas postagens especiais pra ele. É um disco grandioso em vários sentidos.

Você pode até falar que ‘Declare Guerra’ não é clássico, mas como disse, clássico não é só aquele disco que vendeu milhares. No caso desse 4º disco do Barão, são vários os motivos: é o primeiro sem Cazuza, a banda teve que repensar o repertório do zero (o que estava sendo preparado antes virou praticamente o ‘Exagerado’ de Cazuza) e as composições são recheadas de boas parcerias: os irmãos Denise e Júlio Barroso, Arnaldo Antunes, Antônio Cícero, além de uma música antiga e inédita de Renato Russo, dada de presente para a banda, “Bumerangue Blues”. É um disco raivoso. Um de meus preferidos da banda.

Agora há outro lançamento em 1986, mas obscuro e bastante curioso, pois pouquíssima gente tem conhecimento. Depois de Lobão deixar Os Ronaldos, a banda continuou como trio e lançou um single com as ótimas “Stray Cat Gomalina” e “I Love You”. Tem até participação de Evandro Mesquita e Alice Pink Pank. As músicas estão disponíveis no You Tube. Apesar desse lançamento e de “Stray Cat Gomalina” chegar a tocar pouco no rádio, nada aconteceu e logo Os Ronaldos acabou.

Cazuza tem dois lançamentos em abril e a curiosidade é que nenhum deles foi lançado na data de seu aniversário (4/4), mas sim no final do mês. Em 1988 ele lançou ‘Ideologia’. Foi um disco muito esperado, pois todo mundo já sabia de sua condição por conta do vírus HIV, só não era algo, de certa forma, ainda assumido. Até porque nesse disco ele canta “Eu vi a cara da morte e ela estava viva”, “meu prazer agora é um risco de vida”, entre outras citações. Todos já falavam e comentavam quando esses versos foram lançados. É um disco atemporal. 

O outro lançamento dele é póstumo, o ‘Por Aí’, com sobras das sessões do 'Burguesia'. Tem Janis Joplin, Nenhum de Nós, Raul Seixas, a própria “Por Aí”, do 1º disco do Barão, e uma inusitada parceria com Orlando de Morais. Entre o lançamento de ‘Ideologia’ e sua morte em 1990, Cazuza se tornou altamente produtivo, pois queria deixar o máximo de registro possível. O ‘Burguesia’, disco duplo, tem 20 músicas, e as 10 de Por aí ainda ficaram de fora! Ele compôs e gravou até onde sua saúde permitiu.

Em 1989 foi lançamento de outro clássico obscuro, o ‘E Agora Pra Dançar?’ segundo disco do Gueto. Estupendo, sou absolutamente suspeito para falar desse disco. O considero incrível do começo ao fim. Há uma postagem desse disco, e se você não conhece, por favor, procure-o, afaste os móveis da casa e e ouça no volume máximo! Uma pena ele ter sido lançado em um momento em que o país estava quebrado, como agora, com ninguém tendo dinheiro para nada além do básico. Ele é muito bem gravado, tem uma ótima produção, repertório impecável, com 3 ou 4 músicas prontas para o rádio, mas não aconteceu. A Warner investiu na produção, mas infelizmente não teve o devido reconhecimento. Gueto era uma banda de primeira.

Tentando ser curto e objetivo, mas são tantos discos bons...

Pra fechar a turma dos 80, tem Paralamas, mas com um lançamento que aconteceu em 1994. O estupendo ‘Severino’ foi um verdadeiro fracasso de vendagem, e nem quem gostava de Paralamas entendeu na época. Porém é um grande disco. O considero o melhor da carreira da banda e já o próprio Bi me disse o considera o melhor. Gravado fora do Brasil e produzido por ninguém menos que Phil Manzanera (ex-Roxi Music), a qualidade das composições e da produção é de deixar o queixo caído. Tem Tom Zé, Egberto Gismonti, Fito Paez, Brian May (Queen) e Linton Kwesi Johnson. As letras com temáticas sociais, como é “Cagaço”, a música de trabalho. Amo esse disco, uma viagem. É um dos grandes discos do rock brasileiro. Apesar do fracasso aqui, fez um enorme sucesso na Argentina.

Pra finalizar, outro disco grandioso, e que mudou a vida de muita gente que cresceu nos anos 90. Não é pra menos se tratando de um disco que ajudou a moldar a década de 90. Esse disco teve a proeza de ser daqueles que tocaram no rádio de ponta a ponta. As músicas do 1º disco do Raimundos tiveram muito mais força do que qualquer negociação de jabaculê. Inclusive a última vez que havia acontecido de um disco tocar de ponta a ponta no rádio, foi exatamente com outra banda de Brasília, e foi o Quatro Estações do Legião. Antes só RPM, Titãs, Paralamas, Blitz (que eu me lembre de cabeça).

Pra mim, sendo ‘curto e grosso’, três são os discos que resumem os anos 90: Da Lama ao Caos (CSNZ), Raimundos (Raimundos) e Usuário (Planet Hemp). Como lembrei outro dia, na Banguela a expectativa de vendas era de 5 mil cópias, mas 500 mil foram vendidas e Raimundos ganhou disco duplo de platina logo de cara!


Haja disco bom! 

1 de abril de 2016

Série O Resgate da Memória: 47 - A Nova Cara da Música Popular (Som Três nov/1981)

Acredito ser a última cena criativa da MPB essa que girou em torno do teatro Lira Paulistana, entre 1979 e 1982. Falo de Itamar Assumpção, Arrigo Barnabé, Premeditando o Breque, Língua de Trapo, Grupo Rumo e alguns outros.

Depois disso a MPB não trouxe nada de novo. Houve uma tentativa, no início dos anos 2000, de se fazer uma nova cena MPB, mas tudo muito raso e fraco (gosto mesmo de Tulipa Ruiz que, por acaso, é filha do grande Luiz Chagas, ex-guitarrista do Isca de Polícia).

Muitos se referem a essa turma do Lira como a Vanguarda Paulista, e dessa turma há quem não se incomode com isso, e há quem se incomode. Itamar se incomodava, e muito. Fato é que ali foram quebrados paradigmas, surgiu um novo modo de composição, uma nova linguagem. Era algo diferente, urbano, que misturava bossa nova, samba, rock, mpb, tropicalismo, música erudita, um texto diferente e muito humor. É uma Turma que produziu, por baixo, uns 10 discos clássicos, músicas de primeira qualidade... e muita loucura! :)

Em homenagem a essa galera do Lira Paulistana reproduzo aqui esse bom texto de Maurício Kubrusly (ele deu grande apoio a essa cena). No final incorporei alguns videos e também um documentário sobre essa cena, um TCC feito em 2008 por alunos de Rádio e TV da Universidade Metodista de SP (ele tem 30 minutos e vale a pena).

E eu vi shows de Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Arrigo & Itamar, Premê, Língua de Trapo....




A Nova Cara da Música Popular

Som Três – nº 35 – novembro/1981
Por Maurício Kubrusly

É a virada paulista: de repente, uma série de caras novas, nomes novos e, ao contrário da maioria, fazendo música nova também. Sem festival nenhum.

Deu São Paulo na cabeça outra vez. Não cabe aqui ufanismo bairrista, pois se trata somente de uma consequência coerente: a maior cidade do Brasil é, efetivamente, um caldeirão, lugar onde se misturam os ingredientes de todas as regiões do país, ao lado do mais variado contingente de ‘colônias’ vindas do exterior. E é compreensível que dessa monumental gororoba, engrossada com gente, de vez em quando surja algum petisco substancioso na área da cultura. Foi assim naa explosão do Modernismo, lá pra 1922. Foi assim, na área da música popular, no final dos anos 60, quando pipocou o Tropicalismo. Foi assim nessa mesma época, quando o trem dos festivais trouxe carga nova para a música popular.

E volta a ser assim na virada da década: mais uma vez a música nova do Brasil surge em São Paulo. Muito longe dos festivais em rede nacional, muito distante das salas onde pontificam os diretores de gravadoras, sem contato nem apadrinhamento dos medalhões da MPB, a música popular já tem sangue novo, um grosso caldo paulista.

É mesmo necessário insistir tanto na localização geográfica dessa virada paulista (aliás, título de uma promoção do Lira Paulistana – como veremos mais adiante), porque um dos pontos mais fortes de tudo isso está mesmo no regional. Não se trata, é lógico, de uma descoberta: a verdade sempre estave ao lado do regional, do particular. Quem parte em buscva do universal acaba no reino do postiço. A verdade de cada um tem endereço. Exatamente por isso, a cópia de moldes importados soa sempre falta – em música popular também.

REGIONAL
Mas toda essa patota que está sacudindo a música popular é paulista, paulistana da gema. A música que faz tem sotaque. (E isso, é natural, está dificultando a divulgação de todo esse trabalho diante da plateia carioca – tão bairrista quanto a de São Paulo. Basta mencionar as vaias que inibiram Arrigo Barnabé na sua apresentação no Morro da Urca, onde se imaginaria encontrar um público mais... digamos acessível.)

Nos trabalhos de Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Premeditando o Breque, Língua de Trapo (enfim, o nome dos heróis...) brilha pelo menos um item em comum a todos: a música deles é um eco da cidade onde vivem. Isso explica a identificação imediata entre todos eles e aquelas pequenas multidões de fiéis que os seguem e aplaudem.

Em alguns casos, a presença vai muito além mesmo do denominador regional. Vejam Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção, por exemplo. Musicalmente, os discos dos dois caminham em trilhas muito diversas. Mas Arrigo é acompanhado pela Banda Sabor de Veneno; e Itamar, pela Banda Isca de Polícia. Sabor de Veneno... Isca de Polícia... E a presença dos marginais não está só aí: vejam os protagonistas de cada disco – no caso de Arrigo, é Durango, um office boy miserável, que acaba se transformando em Clara Crocodilo, ser mutante, mistura dos dois lados que toda pessoa tem (o doce lado Clara e a feroz face Crocodilo). (Não esquecer o que representa a população de boys em São Paulo, uma cidade ocupada por escritórios como toda megalópolis. Tanto que a Rede Globo decidiu investir nesse público específico, criando a promoção Futeboys).

No caso de Itamar, o protagonista também é um paulistano típico: o Nego Dito Cascavé (olha o veneno aí de novo, no dente de cobra). Se chamar a polícia sua boca espuma de ódio, e ele retalha sua cara com navalha. E este personagem, já confundido com o próprio Itamar – é comum se referir a ele lembrando “ah, aquele Nego Dito” – percorre todo seu disco com minifaixas, interferências inesperadas – exatamente como acontece na guerrilha urbana de uma cidade como São Paulo, precisamente como é a vida dos Nego Dito reais.

CRONISTAS
Nada de muito surpreendente nisso tudo. Afinal, boa música popular sempre foi uma crônica de época, retrato da cidade onde é composta e cantada. O Rio antigo está nos sambas de Noel Rosa, assim como a dor e a beleza do Nordeste nutrem a obra de Luiz Gonzaga. Portanto, São Paulo e sua gente tinham mesmo de rechear a nova música do Brasil, já que ela se tornou paulistana por nascimento. Assim, além do seu esplendoroso Durango-Clara Crocodilo, Arrigo Barnabé canta também os seres que lotam os drive-in em busca do orgasmo total, e leva para a canção popular uma das marcas de qualquer cidade grande: as diversões eletrônicas.

Esta crônica paulistana – com características diversas, mas conservando o olhar bem humorado – aparece igualmente no trabalho do grupo Premeditando o Breque. Com a obra mais regional de todas, o Premê narra o fim de semana na Praia Grande, a Kombi japonesa que só vai pro Ceasa, a invasão da pizzaria-rodízio e das rotisseries, os pilotos amadores das pistas do Interior, a música caipira e o gênero chamado “povão”.

E a mesma crônica delineia a atação dos alucinados do Língua de Trapo. São os marginais da patota. Sequer conseguiram gravar um disco. Tudo o que oferecem é uma fita cassete mambembe, que trocam por 500 cruzeiros, já que não podem vender, pois não tem razão social que permita uma operação comercial regular. Por tudo isso – e, principalmente pela música que apresentam, como apresentam – o Língua de Trapo é um caso deliciosamente singular. Se o Brasil não tinha punk, tem agora nos trapos dessa língua. Nada de alfinetes de fraldas, correntes e outros adereços importa... isso é: copiados. E nada de terninhos e coisitas new wave. 

A semelhança é com a ideia do punk: música simples, suja, sem muita preocupação com o acabamento bem polido, mas com crítica violenta, sátira total. Tudo isso brilha no trabalho do Língua de Trapo, uma cronicona escrachada de São Paulo, da invasão dos argentinos e da latinidade, ao deboche esculachado de casos de amor que terminam com afogamentos no bidê. Como estamos no Brasil, eles não retomam o rock e, sim, a brasileiríssima Jovem Guarda. E trazem para o palco (eu disse palco?) o ridículo de Sidney Magal e a ganância dos empresários. Uma pândega sem fim que só deixa uma dúvida: e se eles conseguirem sucesso, mais dinheiro para a produção, um disco? E se eles forem conhecidos? Será que vão conseguir manter a virulência dos ratos roedores, essa força maluca que têm agora?

INDEPENDÊNCIA
Existe mais um lado comum a todos esses grupos: a independência. É claro que todos atuam no terreno esburacado da produção independente. As grandes gravadoras estão muito ocupadas com o mofo do marasmo geral da música de mercado para sequer cheirar os odores frescos dessa virada paulista. Foi assim com Arrigo, com Itamar, com o Premê. E também com o grupo Rumo. Só que o pessoal do Rumo – o trabalho mais delicado e filigranoso da gang nova – foi mais longe: lançou dois LPs ao mesmo tempo, independentes entre si, apesar de todas as pontes que unem os dois. E a cidade grande também está presente no trabalho do Rumo, embora de forma menos direta.

Mas ainda há outras dentro da lista comum dessa arrelia musical que sacode e desvaira a paulicéia. Vários músicos desses grupos conhecem bastante a técnica do próprio trabalho. Nada de dominar apenas três ou quatro posições no violão e, na hora de gravar, depender do trabalho de um arranjador. Nada de truques eletrônicos, sintetizadores e outros carimbos utilizados na uniformização da música em todo o mundo. Os próprios elementos de cada grupo cuidam do arranjo, buscando a originalidade que cada peça exige. E eles sabem fazer isso. Inclusive porque alguns têm formação erudita, tendo frequentado a “faculdade de música” da Universidade de São Paulo – como fizeram Arrigo, Biafra (Premê), alguns do Rumo, etc.

E quando se ouve o Rumo, Arrigo Barnabé ou o Premê, por exemplo, mais uma vez se reconhece a falta que faz conhecer música, quando se trata de trabalhar com.... música. (É claro que se reconhece isso pelo inverso, já que todos os citados conhecem os instrumentos do próprio trabalho.)

INSTRUMENTAL
E fica para outro capítulo a menção ao ressurgimento da música instrumental, dentro do agito geral que injeta vida nova na música brasileira. Há o Grupo Um (já em seu segundo LP independente), o Divina Increnca, o Trio D’Alma, o Grupo Medusa, o Ponte Aérea, Guga, e muito mais. E todos eles se envolveram, há pouco, no projeto Virada Paulista, uma maratona musical que durou muitas semanas, feira de amostras da música nova. É óbvio que aconteceu no “teatro” Lira Paulistana, um simpático galpão de cor negra, que fica literalmente embaixo da Rua Teodoro Sampaio, em São Paulo. Assim como o Zicartola no Rio, há muitos anos, o Lira cumpre agora a função de ser o espaço, o ponto de contato entre todo o time novo e o público que abarrota suas precárias arquibancadas. Tudo sob a batuta do Gordo, o capitão do Lira, que já lançou um selo independente para discos (a estreia foi com Itamar) e até um jornalzinho.

E seria mesmo preciso um noticiário mais amplo sobe este movimento, ou melhor: a respeito dessa movimentação. Pois não se trata de um movimento, como a bossa-nova, o tropicalismo ou a canção de protesto. O tempero de reggae da música de Itamar não tem nada com a arquitetura vocal elaboradíssima do Rumo; o Stravinsky e o Bertok que abençoam a banda nervosa de Arrigo nada têm em comum com as delícias do zigue-zague do LP do Premê. Eles todos tem de igual, é certo, o sotaque paulista. É a fuga da cópia, da repetição, a descoberta de combinações únicas. A verdade do regional, a crônica da cidade onde se refletem o bom humor, a capacidade de fazer um som próprio – como uma assinatura.

Exatamente por isso, precisaríamos abrir mais espaço para eles – como a Somtrês tem feito. Rádio e tevês teriam de parar com a repetição eterna de repetido sempre, e mostrar a todo o Brasil que ele já pode ouvir algo novo. E que não são apenas os que foram mencionados aqui, que há cantoras como Tetê Espíndola e Eliana Estevão, e conjuntos como O Outro Bando da Lua. E certamente muito mais – pois no tempo que separa o momento em que isso foi escrito e agora, quando você lê, certamente o caldeirão de São Paulo transbordou de novo, e a virada paulista deu mais outra guinada.