14 de julho de 2014

A Música e o Tempo

Volta e meia escuto gente ignorante (do verbo ignorar, que significa falta de conhecimento) falando coisas do tipo: Ah” não gosto dessa música ou dessa banda porque é muito velha... é muito antiga”. O quê??? Que bobagem é essa?

Dias atrás eu estava em um churrasco, e uma amiga minha estava com o namorado (os dois com poucos mais de 45 anos) e sua filha de 19 anos, e a filha vendo os dois darem um selinho brincou dizendo “pra embalar esse namoro geriátrico podia tocar um Queen”. Claro que todo mundo riu da brincadeira, mas aí questionaram a garota sobre o motivo de citar o Queen. “É banda velha”, foi a resposta dela.

Como já disse aqui: música boa é atemporal! O que falar, por exemplo, de Beethoven e Chopin? Só porque é antigo não se pode mais ouvir, consumir e gostar?

Por acaso você deixa de admirar uma pintura de Van Gogh, Picasso ou Michelangelo só porque são antigas?

Você deixa de ler clássicos como Os Miseráveis, Moby Dick, Os Sertões só porque são antigos? Daqui a 100 anos os livros de Harry Potter deixarão de ser lidos por serem antigos?

Você deixa de ver filmes como O Poderoso Chefão, Psicose, Sindicato de Ladrões, Mary Poppins, Juventude Transviada por serem antigos?

Adoraria entender a cabeça dessas pessoas que falam de música como se ela tivesse prazo de validade. Claro que existe aqueles artistas que são absolutamente irrelevantes, que compuseram músicas fracas, lançaram discos medonhos e cheios de modismos que os deixaram datados, mas isso é coisa de artista sem visão.

Em algum texto já citei esse exemplo: estava eu conversando com um amigo da MTV, que tinha uma banda influenciada por punk rock, que ele deveria escutar The Clash. Isso na segunda metade dos anos 1990, e a resposta dele foi : “Eu não. Clash é muito antigo.”

Aquilo doeu profundamente. Também percebi que, com esse pensamento, sua banda não iria a lugar algum - o que realmente aconteceu. Hoje ele não só escuta Clash, como se arrependeu da tamanha besteira que falou.

Não se pode tratar música como se fosse moda, jornal impresso ou revista semanal. Tudo isso sim fica velho e, em alguns casos, até perde o sentido.

Existe sim a música que envelhece e a que fica datada em poucos meses, mas é preciso separar o joio do trigo. Você escuta “Louras Geladas” do RPM e automaticamente volta para 1985, olha as fotos da banda vê aqueles mullets e as ombreiras com enchimento e diz: “Meu Deus, que coisa mais anos 80!”. Isso já não acontece se você ouve Cólera, Barão Vermelho ou Legião Urbana.

Você ouve e vê Information Society e só consegue pensar no final dos anos 80; mas isso não acontece se escutar Pixies.

Cito aqui alguns álbuns (gringos) pra você pensar se são velhos:
- In the Wee Small Hours, Frank Sinatra
- Lullabies of Birdland, Ella Fitzgerald
- Sticky Fingers, Rolling Stones
- Revolver, Beatles
- London Calling, Clash
- Transformer, Lou Reed
- Fun House, Stooges
- Road To Ruin, Ramones
- Closer, Joy Division
- Songs of Love and Hate, Leonard Cohen

Vou parar por aqui porque essa é uma lista sem fim.

Enfim, artistas que acompanham a moda certamente irão causar vergonha alheia ao serem escutados após um determinado tempo... Vinny e Michel Teló que o digam!

Mais uma vez lembro que música boa, a que é feita com amor, é atemporal. O que é bom o tempo preserva.


1 de julho de 2014

São Paulo 1987-88

(Este texto é um complemento do Jogando Lembranças nas Linhas III)

Já faz um tempinho que venho escutando algumas coisas de São Paulo, do biênio 1987-88. Entre elas Gueto e Gang 90. Aí deu vontade de escrever novamente sobre esse período, que foi muito bom, com muitas histórias boas.

Quando cheguei a São Paulo morei por um tempo na casa de minha avó. Na mesma rua morava minha prima Denise, de Piracicaba, na época casada com Paulo Checoli, o Binga, músico fera também de Pira, maestro, arranjador e compositor de primeira.

Quando não estava no apê das amigas na Av. Angélica, eu estava na casa de Denise e Binga. Ficava muito lá, até porque passei a trabalhar com Binga, como roadie e também compondo e cantando jingles e músicas autorais. Inclusive cheguei a gravar no histórico estúdio Eldorado que ficava no centro. Tecladista, ele também tinha um piano em casa, toca violão que é uma beleza e ainda tinha um pequeno estúdio no quarto do fundo.

Logo após minha chegada fui fazer um estágio em uma agência de publicidade, mas em um ou dois meses fui trabalhar de assistente de produção de objetos na produtora 5’6 Produções, umas das mais requisitadas na época. Grande escola! Lembro que em um desses dois anos a 5'6 produziu o musical Emoções Baratas, que era encenado onde ficava o antigo Rádio Clube (na Av. Pedroso de Moraes) . Eram ótimos músicos e dançarinos. Parte deles da cena underground paulistana.

Nesse período Binga, de músico contratado, se tornou membro da banda Anjo Caído, que fazia rock romântico. A banda tinha lançado disco pela Continental, tocava nas rádios e, por isso, havia períodos de muitos shows. Muitas baladas. E assim fui conhecendo algumas pessoas da cena musical de SP desse período. Por conta disso, passei um tempo saindo com Tonhão e Ronaldo, quando os dois tocavam no Inocentes (nessa época a banda estava preparando o Adeus Carne).

(a grande coincidência dessa história do Anjo Caído, é que esse era o nome de uma banda de metal de Brasília, com Fejão, Parente, Bulhões, que por causa do Anjo Caído paulistano teve que mudar o nome para Fallen Angel)

Fui algumas vezes à casa do Skowa e (Carlos Eduardo) Miranda, que moravam juntos em Pinheiros, em uma rua atrás do Aeroanta. Nessa casa, Miranda me apresentou ao Pixies (Surfer Rosa) e me mostrou o Sanguinho Novo antes de ser lançado (coletânea tributo ao Arnaldo Baptista).

Nesse período tinha montes de grupos surgindo: Luni, Skowa e a Máfia, Fábrica Fagus, Lagoa 66, Nau, 365, Gueto, Gang 90 (reformulada), Patife Band e outras. Uma nova cena que infelizmente não vingou.

Na TV Cultura tinha um programa musical chamado Boca Livre, que era gravado em um teatro no centro (não lembro o nome), eu fui em várias gravações e sempre ficava nos bastidores. Lá conheci uma porção de gente, inclusive Redson, no dia em que Cólera tocou lá. Aconselho você ir ao You Tube e procurar por "programa boca livre". Vai ser diversão na certa. Lá estão todas as bandas paulistanas desse período, conhecidas ou não, e muitas outras.

Havia um clima bacana. Os integrantes dessas bandas se conheciam, e elas faziam shows juntas e todo mundo se encontrava, e ainda tinham as Black Nights no Aeroanta (se não me engano isso foi invenção do Haroldo Tzirulnik!), que era o momento em que essa amizade aparecia também no palco, com integrantes de todas essas bandas tocando juntos, sucessos da soul music. Essa noite black se tornou um clássico e toda semana lotava.

Dessa época, tenho gravações de um show especial de aniversário de 10 anos da Baratos Afins que rolou no Projeto SP, com trocentas bandas, todas as que participaram das coletâneas Não São Paulo, e outras. Eu fui nesse show, mas não sei como essas gravações foram parar na minha mão. Nesses dias de show a festa já começava na passagem de som. Se não me engano um show com várias dessas bandas também aconteceu no Aeroanta.

Tinham outros lugares onde vi bons shows: o Teatro Mambembe, Centro Cultural, Latitude 3001 (restaurante / casa noturna em formato de navio que ficava na avenida 23 de maio), Rose Bom Bom, Madame Satã (me lembro de um show bem louco do Bocato que vi lá, logo quando cheguei em SP).

Só pra situar, alguns lançamentos musicais internacionais de 1987: Prince com o clássico Sign ‘O’ the Times (o auge de sua carreira); Michel Jackson, o ultra aguardado Bad; Guns’n’Roses Appetite for Destruction; Anthrax Among the Living. E tinha a grande novidade: Terence Trent Darby.

Depois do Rock in Rio o Brasil passou a receber mais shows internacionais e nesse biênio teve Ramones, The Cure, Echo and the Bunnymen, Big Audio Dynamite, PIL, Sting, Iggy Pop, New Order. Só shows históricos. Me divertia pacas!

Essa nova geração de bandas brasileiras que apareceu pós Plano Cruzado podia não ter força comercial, mas isso não significa que não eram boas bandas. Os shows eram divertidos. Só que vivíamos uma ressaca do Plano Cruzado, e o país estava se afundando em uma enorme crise econômica.

Não foi só em São Paulo que houve fracasso comercial. Isso aconteceu com bandas e artistas do Rio, Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador, Brasília. Muitas gravaram e não aconteceram. 

Nessa época as bandas de Brasília eram frequentes em SP: Escola de Escândalo, Arte no Escuro, Detrito Federal, Finis Africae, Capital Inicial, Plebe Rude e Legião Urbana. Tirando o Capital, que até hoje mora em SP, o resto, quando estava na cidade, era festa! Boas noitadas!

Ah! E tinha o Sushiban, que ficava na rua Teodoro Sampaio. Era uma mistura de bar com restaurante japonês, e muitas vezes servia de pontapé inicial para as aventuras noturnas.

Fiquei muito triste por ter saído de Brasília, mas com a intensidade dos acontecimentos nesse biênio mal respirei. Pra mim, esses dois anos foram importantes. Como já disse aqui, tive sorte de ter vivido intensamente os anos 80 e 90. Estando sempre no lugar certo, na hora certa.

Ótimas lembranças!!! São Paulo era outra. Muito mais divertida. Muito mais legal.




Áudio razoável