29 de setembro de 2013

MTV 90 Pra Sempre - No Olho do Furação (2)

Esse mês vou atrasar em uma semana o texto sobre as efemérides de outubro, pois não podia deixar passar essa data triste pra mim e tantos outros amigos...

Na 5ª feira, dia 26/09, aconteceu a festa de despedida da MTV Brasil Abril. Foi muito bom rever um monte de gente que só tenho tido contato através do Facebook. Foi uma festa da nostalgia, claro. Não poderia ser diferente. Quem fez a MTV de 1990 a 1997 fez história.

Agora sim a MTV Brasil se foi. A que virá não fará nada do que foi feito nos anos 1990, nem terá produção própria, tudo terceirizado. Não virá para causar, mudar ou movimentar o mercado da cultura pop. Do que li na imprensa e ouvi de pessoas nos bastidores, tudo indica um início estranho.

O contexto também é outro. Certo é que a Abril devolve a marca MTV para a Viacom com ela em baixa, principalmente entre os jovens, seu público alvo.

Na televisão é péssimo que você tenha um programa que comece na sequência de um programa de fracasso, sem ibope. Porqur além de ter que dar seu ibope, o programa tem que recuperar o que foi perdido. É essa a situação da MTV Brasil Viacom. MTV é sinônimo de vanguardismo e de cultura pop. A nova direção vai devolver isso à marca?

Fenômeno igual ao da MTV nos anos 1990 só mesmo o Pânico! quando estreou na Rede TV!, também quebrando paradigmas, reinventando linguagem e mudando o comportamento. Hoje, o que o Pânico! fez se vê até mesmo na poderosa Globo.

Acabei recentemente de ler “Como a Geração Sexo-Drogas-E-Rock’n’Roll Salvou Hollywood” e, tomada às devidas proporções, há semelhanças com a MTV dos 90. Eram pessoas que faziam o que faziam por tesão, que trabalhavam com o que gostavam. A turma da MTV, da mesma forma como era feito com os filmes, botava o coração em cada programa, matéria, vinheta ou festa feita.

Estávamos no centro dos acontecimentos. Em termos de linguagem jovem e cultura pop não havia nada mais importante que a MTV, tudo chegava a nós. Todos os shows, todas as cenas, todas as bandas e artistas solo, todos os lançamentos de todas as gravadoras majors e independentes, todas as novidades. A MTV formava opinião. Todo mundo que era envolvido com cultura pop, que tinha algo a mostrar ou a dizer, queria a MTV, dos menores aos maiores nomes. Em São Paulo só quem tinha força parecida era a 89 FM, mas mesmo assim não como a MTV.

Experimentávamos pra valer, caíamos de cabeça em cada produção. Cada viagem internacional, seja para cobrir o VMA ou para qualquer outra produção, muitas vezes era uma grande aventura. Era inusitado para o artista internacional dar entrevista para a MTV Brasil. Nesse último mês de MTV Abril pudemos ver muita coisa de arquivo graças aos programas My MTV apresentados pelos antigos VJs. Não era nada normal assistir a uma entrevista com o Rolling Stones, David Bowie, U2, Metallica e Frank Zappa. Antes da MTV chegar ao Brasil onde poderíamos assistir a entrevistas como estas? No programa Fantástico da Globo??? O jeito de falar, de apresentar, as gírias, o texto, a forma de editar, captar, em tudo se experimentava.

Isso mostra que tudo (tudo!), até coisas que hoje parecem simples como uma entrevista, era novidade para quem via e fazia. Não tínhamos as preocupações da TV aberta, do ibope, dos compromissos comerciais. Tínhamos autonomia absoluta nos nossos programas. Eu experimentava tudo que podia, tanto na captação, quanto na edição. O pessoal que trabalhava no dep. de Promo, onde eram feitas todas as vinhetas gráficas, as aberturas, todo o visual da MTV, também experimentava ao extremo, usando desde as ferramentas mais modernas até o Super 8.

Muitos programas nem eram vistos pela chefia. Você simplesmente fazia, entregava e ia ao ar. Era prazeroso ir trabalhar. Como já disse aqui no Sete Doses de Cachaça, nada melhor do que ter que fazer um programa especial sobre Ramones, Metallica ou Nirvana, escrever textos sobre seus artistas favoritos, fazer pauta para entrevistar nomes que você admira desde o início da adolescência, isso era bom demais. As notícias que vinham de fora duravam mais, a velocidade das novidades era outra, mais lenta.

As transmissões ao vivo que aconteceram antes da MTV começar a fazer os programas ao vivo, eram grandes aventuras. Flashs ao vivo no Monsters of Rock, shows internacionais, Free Jazz, Dia Mundial de Combate à aids. Era muito bom fazer tudo isso. Nos divertíamos e conseguíamos passar isso para o vídeo.

O Thunder fazia o CEP MTV (a cada dia uma aventura), Gastão fez o “Gastão Redescobre o Brasil”, com viagens intermináveis pelo país, com estrutura mínima; Massari cobriu grandes festivais internacionais e nacionais; a Casa da Praia em 1993/94 e o MTV no Verão gravado no Rio em 1994/95; o primeiro VMB bancado pela coragem de André Vaisman (que, como chefe, na verdade bancou um monte de ideias loucas); os Acústicos, o Suor MTV, Mochila... Era tudo feito na raça, com baixo orçamento e muita vontade. Éramos uma família. Criávamos juntos, no início ideias eram compartilhadas e discutidas por todos, nomes de programas, a logística.

A partir de 1997 a MTV tomou uma nova direção, mudou o editorial e aconteceu o que aconteceu. Infelizmente, tudo o que aconteceu na Avenida Professor Alfonso Bovero 52 de 1990 até 1997, e que é muito difícil tentar expressar em palavras, não vai acontecer novamente.

Agora, pra essa turma que fez a MTV dos primeiros anos, que ajudou a fortificar a marca, fica a ressaca da nostalgia. Mas no bom sentido. Todo aquele pessoal se espalhou por todos os cantos, em jornais, produtoras, emissoras, agências de conteúdo, mas pela saudade, pelas boas histórias, enfim, pelas boas lembranças que todos carregam, fica claro que nenhum outro ambiente de trabalho foi ou será tão bom como na MTV dos 90.

Muitos livros poderiam ser escritos sobre essa MTV pioneira. Muitas histórias boas, muitas experiências que deram certo e muitas que deram errado. Mas fato é que a MTV Brasil Abril conquistou o público e deu certo em seus primeiros 7 anos por conta da ousadia, das experimentações, da coragem e do vanguardismo.

Tenho muito orgulho de fazer parte dessa história.

23 de setembro de 2013

Especial Discos Históricos 5: Secos & Molhados (1973)


Pode perceber que todas as pessoas que viveram os anos 70, a maioria tem uma história com o primeiro disco do Secos & Molhados. Eu mesmo ficava horrorizado com a capa. Adorava o disco, escutava as flautas, os violões e me imaginava no mato, num gramadão, numa fazenda kkkk. Escutávamos sempre. Porém não pegava na capa, olhava pra ela com receio, tentando entender porque um disco tão bonito tinha uma capa tão macabra kkkk

Foi um tsunami o que aconteceu com o Secos & Molhados entre 1973 e 1974. Literalmente abalou o Brasil, pelas composições, pelo visual e pelas apresentações. Aquilo sim era diferente. O estranho bonito.


Infelizmente a fama e o ego fizeram acabar rápido o que talvez poderia ter durado ao menos 3 discos. Poucos dias antes do lançamento oficial do 2º disco, praticamente um ano depois do primeiro, em agosto de 1974, Ney Matogrosso e Gerson Conrad anunciaram a saída da banda, cancelando o lançamento, apesar de algumas cópias terem ido para as lojas. Esse segundo trabalho só saiu em CD nos anos 1990, muito pelo trabalho de Charles Gavin. Apesar de tudo, qualquer outro trabalho da banda mesmo feito com os três, não iria superar o que é esse primeiro trabalho. Até hoje não conheci ninguém que não goste desse disco. Pra mim, é o disco mais atemporal da música brasileira.


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Secos e Molhados
Folha SP – 10-ago-1973; Ilustrada, pág 8



Secos e Molhados, o som pop de poemas famosos
Por LCA

Seis meses atrás, os quatro rapazes estreavam na Casa de extinta Casa de Badalação e Tédio, aquele café-concerto na Rua dos Ingleses que conseguiu alegrar algumas noites do verão paulista.

Não pode se dizer que a estréia tenha sido tímida: desde sua primeira apresentação, o Conjunto Secos e Molhados (Ney Matogrosso cantando, João Ricardo no violão de 12 cordas e na harmonica de boca, Gerson Conrad em outro violão, e Marcelo Frias na bateria e percussão) insistiu em fazer de si mesmo uma imagem condizente com a sua condição de músicos pop: maquiagem de cores berrantes e purpurinas brilhantes. Camisetas terminando antes da cintura, coreografia e iluminação reforçando os detalhes da encenação.

Mas o pop desse conjunto é um tanto quanto diferente. As letras das músicas, por exemplo, vêm de poemas assinados por poetas famosos: Cassiano Ricardo (“As Andorinhas”), Vinícius de Moraes (“Rosa de Hiroshima”), Manuel Bandeira (“Rondó do Capitão”). Ou então, foram escritas pelo próprio João Ricardo, a partir de notícias de jornais (“Assim Assado”). Duas delas (“Fala” e “Vira”) têm músicas de João Ricardo e letra de Luli, uma das cantoras da nova dupla Luli e Lucinha.

Agora surge na praça o primeiro LP dos Secos e Molhados. Na capa, os quatro rapazes posam sobre uma mesa cheia de comilanças. Dentro, nos créditos, alguns nomes conhecidos. Entre eles, o de Antônio Carlos Rodrigues (o fotógrafo da capa) e o de Zé Rodrix (do extinto conjunto Sá, Rodrix e Guarabira, que fez o acompanhamento no piano, ocarina e sintetizador).




Fadas e Bruxas
Por Geraldo Mayrink

Revista Veja, 12-dez-1973, páginas 106, 107 e 108
Secos e Molhados, com o grupo Secos & Molhados; Teatro 13 de maio; São Paulo.

Não se via nada parecido desde que John Lennon decretou o fim do sonho. Todas as noites, com uma assiduidade maníaca, pequenas multidões de seiscentas ou mais pessoas espremem-se sob o calor do Teatro 13 de Maio para ouvir os primeiros acordes de verão que começa, cantados e dançados pelos Secos & Molhados, um conjunto que seis meses atrás poderia provocar o mais atualizado espectador a pergunta: “Secos o quê?” Mas o próprio ambiente do teatro sugere que a massa de beautiful people não foi ali em vão. Recém saído do glorioso e coruscante trottoir dos “Dzi Croquettes” o lugar sugere logo alguma coisa de mágico e excitante, com seus trapos pensdurados no palco e sua iluminação – digamos – psicodélica. E o espetáculo curto (uma hora) e denso (de vez em quando algum músico precisa trocar a roupa encharcada de suor), tem um efeito fulminante sobre a platéia.

Para que esse efeito fosse inteiramente alcançado, porém, foi preciso que os sacis e as fadas pontilhassem o ano de 1973 de bons augúrios para os três rapazes do conjunto. Com uma rapidez que atordoou tanto o público quanto os protagonistas, os Secos & Molhados voaram do limbo do anonimato para as nuvens das paradas de sucessos. Cem mil cópias de seu LP de estréia foram vendidas desde setembro.

Duas das músicas do disco - “O Vira” e “Sangue Latino” - ganharam nas rádios a obrigatoriedade de hinos. Populações inteiras, abaixo do Rio Grande, vão ouvir a partir de janeiro a versão castelhana “Sangue Latino”. A maratona que empreenderam em várias cidades do interior paulista rendeu os juros de uma audição em Porto Alegre, na semana passada, num estádio para 15 000 pessoas, o Gigantinho. E – sonhos dos sonhos, para um grupo que vive sonhando acordado! - a varinha de condão vai provocar a aparição de um LP todinho gravado em Londres e um espetáculos nos Estados Unidos em 1974. Lindo demais para ser verdade? “Nós tínhamos certeza absoluta de que isso ia acontecer”, afirmam, em uníssono, as três vozes de ouro do momento do show business brasileiro.

Vira o quê? – Milagres assim insistentes, em todo o caso, só costumam acontecer no país da maravilha do rock – que não é o Brasil. O que levou o Secos & Molhados, portanto, a essa auto-confiança desafiadora? Eles oferecem músicas simples e ritmadas, fáceis senão de cantar pelo menos de acompanhar batendo com os pés. Embora nada no disco ou no show seja extremamente bom, nada também pode ser chamado de ruim. Exibem um encanto próprio de artistas imaturos, capazes de ocasionalmente esquentar esta temperatura morna, como na patética e comovente canção acrescentada ao poema “Rosa de Hiroshima”, de Vinícius de Morais: “Pensem nas crianças mudas telepáticas / Pensem nas meninas cegas inexatas / Pensem nas mulheres rotas alteradas”. Mais ainda do que nesta canção, o apuro técnico do grupo tranparece em “As Andorinhas”, de um poema de Cassiano Ricardo: “Nos fios tensos da pauta de metal / As andorinhas gritam / Por falta de uma clave do sol”.

Certamente não foi só por este cuidado na seleção das fontes literárias que toda noite é de casa cheia para o conjunto. “O Vira”, uma graciosa musiquinha que lembra uma dança típica da região do Minho, em Portugal, tem um gosto de canção infantil e ao mesmo tempo de transmutação dos sexos. Os presságios das frases “O gato preto cruzou a estrada / Passou por debaixo da escada”, que abrem a música, tem como inquietante e surpreendente resultado o “vira, vira, vira homem / Vira lobisomem”, alusão imprópria para menores. Tomando-a ao pé da letra, o “Vira” virou porta estandarte de algumas correntes do Gay Power nacional, assim como o Secos e Molhados começa a ser visto como um conjunto situado na terra de ninguém que vai do infantil ao pretensioso, do teatral ao rebolado, da seriedade à curtição pura. Tudo sob a proteção de um nome que nem sequer alude ao consumo maciço de ingressos e discos que o abençoou: “É um nome que não determina coisa alguma, mas que se abre para todos os gêneros”, explica João Ricardo, seu líder.

Sem medo da língua – Tantas interpretações para um grupo tão jovem trazem uma certa inquietação para os Secos e Molhados – que ream quatro, na época do lançamento do disco, e agora são três (Marcelo, a quarta cabeça decepada na capa do LP, agora limita-se a acompanhar os outros tocando bateria). Embora exista desde 1971, com outros componentes, o atual Secos & Molhados só nasceu no começo de 1973 e seu despreparo é flagrante no detalhe dos saltos que dois dos três dão no palco, causando a impressão de que acabarão caindo em cima do pianista ou talvez da platéia.

Esses dois, o líder João Ricardo, 24 anos, e Gerson Conrad, 21 anos, cantores, violonistas e compositores, são amigos de adolescência e vizinhos de casa, na Bela Vista, em São Paulo. João, filho do jornalista e crítico de teatro Apolinário, chegou ao Brasil com os pais e a irmã em 1964.

Mesmo tocando violão desde os 17 anos, sua formação é antes de tudo literária, e que ele transmite ao repertório do grupo. João descreve o futuro de seu grupo citando Nietzsche (“É preciso tomar cuidado com as pessoas que sonham acordado, porque elas chegam lá”) e com a mesma confiança que tinha na sua aceitação. “É preciso não ter medo da língua portuguesa”, diz ele. “O português não é mais um código secreto”.

Saltos certeiros – Gerson, seu antigo vizinho, e Ney Matogrosso, o cantor do conjunto, tiveram apenas que esperar o convite de João. Enquanto o primeiro seguia seu curso de arquitetura (está no terceiro ano, sem saber como encontrar tempo para continuar) e tomava aulas de violão clássico com um professor espanhol, Ney andava de cidade em cidade e de profissão em profissão antes de se tornar a figura central do conjunto.

Nascido há 32 anos em Bela Vista, no Mato Grosso, terceiro filho de uma família de cinco irmãos e pai militar, Ney de Souza Pereira trabalhou cinco anos num hospital em Brasília, cantou em corais, fez teatro infantil e vivia de artesanato de couro e barbante até o aparecimento do conjunto. Sobre sua figura esguia e provocante pesam as acusações de ser mulher (para quem o conhece só de discos) e usar pseudônimo. “Ambas falsas”, acrescenta ele. Embora não o tenha no registro, Matogrosso é o nome de seu avô, refugiado naquele Estado por motivos políticos durante o governo de Washington Luís, deu a todos os filhos. E sua “voz de mulher” é na verdade um raro registro de contratenor, sem nenhum falsete. No palco, porém, a atuação de Ney não permite dúvidas ou mal-entendidos: ele é o artista do grupo que salta sem dar a impressão que vai esbarrar no colega.

A fada má – Assim, a pessoa de Ney, que recentemente encerrou um período de sua vida pedindo demissão do funcionalismo público de Brasília (para desgosto dos colegas, que o alertaram para as incertezas da velhice), ameaça ser cada vez mais confundida com os Secos & Molhados como grupo. Paradoxalmente, este ex-artesão que não conseguia vender seus artigos (“Umas coisas meio marroquinas, quem é que ia usar aquilo além de mim?”) também não pensava em ser cantor, apesar de sua participação em corais. “Eu pretendo ser mais do que isso”, explica ele, “sou uma ideia viva” (João Ricardo, por sua vez, antes mesmo de conhecer Ney, queria um cantor que fosse também um outdoor). Dos três, a sua maquilagem é a mais elaborada e a mais agressiva. Sua arrogância no palco é provocativa e proposital: “É preciso que o público saiba de uma vez do que se trata”. Como o público sempre sabe, ou pensa saber, ele foi contemplado ao longo da peregrinação pelo interior paulista com os adjetivos de praxe. “Eu sempre respondo”, diz ele, divertido. “Mas qual é a dessa gente de insultar quem está no palco?”.

Por causa de sua atuação em cena, Ney ao vivo é uma surpresa que se renova dia a dia. A maquilagem muda “conforme o estado de espírito” e uma longa sessão de contorcionismo no palco pode significar tanto uma forma nova de expressão corporal como um artifício para fugir ao calor e descansar deitado: “Eu quero jogar tudo o que sou em cima do público”. Mas o que “é” Ney matogrosso? Uma espectadora, após um, espetáculo, pensou ter achado a resposta e lhe disse: “Não tenha medo. Você não é nada daquilo que está no palco”. E ouviu: “Mas, senhorita, é claro que eu sou aquilo!”.

Mesmo as fadas e os sacis não poderiam, realmente, acabar com essas coisas. Nem impedir que uma certa desordem e ansiedade surgisse entre o trio. Ney quer “ser o que é”. João Ricardo pretende estudar música numa universidade americana. Gerson deseja, no mínimo, ser também arquiteto. No entanto, a fada má – ou a bruxa – do comércio os espreita a cada espetáculo e a cada disco vendido. “Eu não vou ser um superstar”, ameaça João Ricardo: “Não vou ser e tenho raiva de quem é”. Ney, o mais ameaçado pelo estrelismo, sabe o risco que corre: “Olha, eu gosto mesmo é de bater perna na rua, o dia inteiro, entrar em loja e comprar bugigangas”. E João decidido: “Quero fazer o que gosto, sem conceder nada. O dia que precisar conceder, acabo com o sonho dos Secos & Molhados.”


15 de setembro de 2013

Adorava Gravar Discos

Depois de 3 anos sem ele, consegui meu exemplar de 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer. Minha brincadeira é abri-lo para procurar discos para baixar. Às vezes abro em determinados períodos, por exemplo, gosto de discos lançados entre 1979 e 1982, punk, pós-punk e new wave. Gosto de lançamentos de 1989 a 1991, da cena Madchester, Stone Roses e o início de misturas de rap com jazz, tipo Soul II Soul, Brand New Heavies, A Tribe Called Quest, coisas de que nem sou muito fã – algumas músicas, mas que também marcou nesse período.

Resgatei meus poucos vinis que restaram depois de tanta andança na vida. Sobraram os fieis rsrs. Aí bateu uma saudade de momento que me fez lembrar os bons e velhos anos 80 em Brasília. Meu pai adorava equipamento de som, então tínhamos duas pick ups, um mixer/equalizador, dois toca fitas. Não à toa o pessoal ia à minha casa passar a tarde gravando discos e fitas, já que era raro alguém ter dois toca fitas.

Nem todos os discos que saiam lá fora, eram lançados no Brasil. Era a gravadora que decidia se deveria ou não lançar edições nacionais de discos lançados na Europa e Estados Unidos. Discos importados só eram possíveis quando alguém viajava pra fora, o que também não era muito comum. Por tudo isso, o acesso a discos importados, portanto raros, era quase impossível, então a gravação de fita para fita, a cópia da cópia, era comum e fundamental.

Fitas eram caras, as mais baratas eram nacionais do tipo Basf, que quebravam um galho, mas ainda assim tinham um preço salgado. Não dava pra chegar à loja e pedir cinco fitas de uma vez, e nem comprar uma por semana. As importadas (TDK, Sony, etc) eram muito caras. As importadas que eu tinha eu só gravava discos importados.

Eu pegava ônibus, assim como outros amigos, só pra ir à casa de alguém ver e pegar em um disco importado de uma banda do coração. It’s Alive do Ramones foi uma delas, assim como discos do XTC, Talking Heads, Cure, Jam, PIL, Bauhaus, Joy Division e mais um monte. Ainda hoje há muitos discos de vinil de muita banda que amo, discos que escuto assiduamente, que nunca vi o vinil. Conseguia tudo fazendo cópia de outras fitas.

Por outro lado eu tinha os recém lançados La Folie do Stranglers, Combat Rock do Clash e Plastic Surgery Disasters do Dead Kennedys, entre outras coisas também ótimas. Isso me dava aval para negociar gravações de discos que eu não tinha ou mesmo de fitas. Como a minha casa sempre tinha gente, eu fazia os amigos levarem seus discos até lá para eu poder gravar.

Havia a preocupação em não deixar o lado da fita acabar cortando a música seja no início, no meio ou no fim dela. Na base do olhômetro dava pra saber quando uma música caberia inteira ou não antes do fim da fita.

O tempo da maioria dos vinis varia entre 34 e 40 minutos, e sempre sobrava fita para gravar algo extra, em torno de 2 a 6 músicas. Então enquanto um disco era gravado, procuravam-se outras músicas para gravar na sobra. Era um maravilhoso ritual, porque ao mesmo tempo em que você gravava algo, você ficava olhando o disco, lendo o encarte, conversando sobre música. Éramos obrigados a olhar para o selo central do disco, para poder saber o lado e também procurar músicas, e ali mesmo muitas vezes há o nome dos autores das músicas, o que é um conhecimento a mais. Lia ficha técnica e até o nome do engenheiro de som se sabia hahaha. Até o tempo do intervalo de uma música para outra era sabido. E por isso era muito irritante comprar um disco que não vinha encarte, não tinha letras e nem ficha técnica. Quando isso acontecia eu xingava todas as gerações dos donos de gravadoras.

Parar a fita para trocar o lado do disco, limpar a agulha, correr a fita virgem antes de usá-la, limpar o disco, escrever o nome das músicas na capinha das fitas. Geralmente fita virgem era usada para gravar um disco importantíssimo. Virava bagunça quando alguém resolvia gravar uma coletânea. Aproveitava os discos lá de casa, trazia outros e a cada música ia se trocando os discos e intercalando a gravação entre as duas pick ups, como se tivesse discotecando. A sala ficava uma bagunça com tanto disco fora da capa. Caneta e papel para anotar as músicas. As coletâneas eram importantes, podiam te transformar em uma pessoa cool. Era uma disputa velada pra ver quem gravava as coletâneas mais legais – e elas acabavam gerando várias cópias.

Como tinha equalizador em casa, dava pra eliminar os espaços entre as músicas emendando-as, assim nas festas, quando se botava uma fita dessas, não havia respiro. Também era normal escutar essas coletâneas para dar os rolés de carro por Brasília.

O movimento em casa era constante, conheci muita banda graças a esse período que durou de 1982 a 1987. Anos intensos. Ainda tenho muitas fitas com coletâneas e outras gravações. Hoje pode até haver pick ups, equipamento legal, pessoas comprando discos, lançamentos especiais e tals, mas nunca mais será como era antes, até porque gravar discos não faz mais sentido. Sou privilegiado porque vivi isso. Fica na memória. É bom assim.

6 de setembro de 2013

Olha o Prêmio!!! Quem Vai Querer?!?!

Hahaha Não vi o prêmio Multishow, mas li as críticas, os blogs. Quem frequenta o blog sabe minha posição quanto a toda essa palhaçada de prêmio de música. A cada ano surge um novo. Duvido até que o VMB acabe. Devem existir atualmente 512 prêmios de música só na zona sul de São Paulo.

Por que eles existem? Pelos patrocinadores, a publicidade, o marketing. Esses prêmios geram um bom faturamento. É isso.

Pior. Tendo uma boa ou má repercussão. Mesmo tendo uma transmissão vergonhosa, ano que vem tem mais, e provavelmente com os mesmos patrocinadores.

Existem algumas revistas especializadas em anunciar artistas, revistas que não são vendidas em bancas, mas empresários e agências assinam. São revistas que trazem apenas o anúncio do artista, com os contatos do escritório para o contratante poder comprar o show. Todos os artistas, mas todos mesmo, têm anúncio nessas revistas. Normal. Não há nada de errado nisso, pelo contrário. Essas revistas são importantes.

Falo isso porque quando há, dentro desses anúncios, algum destaque dizendo “ganhador do prêmio de melhor música”, “ganhador do prêmio de melhor artista”, isso passa a ser um atrativo para o contratante e aumenta o cachê do artista. Então, esses prêmios só servem para quem faz, ganhar mais dinheiro, e para quem recebe prêmio e aparece, ganhar aumento no cachê.

O público que se dane. Põe premiação de duas horas para cobrir todos os intervalos negociados pelo dep. comercial. Isso é indelicadeza. Ninguém gosta de pessoas e situações indelicadas. Essas transmissões de premiações são indelicadas e repletas de situações indelicadas. Por que insistir? Por que não pensar em um formato diferente e atraente para quem assiste em casa? Dá pra ser grandioso sem ser chato. É só querer.

Isso é acomodação. Perdeu-se o sentido. Foi banalizado. Deixou de ser um acontecimento ímpar. Antigamente era só o Grammy e o Oscar. Havia glamour.

Hoje é esse troço aí, sempre mais do mesmo, banalizado. Antes os artistas falavam nas entrevistas: “Esse tipo de festa é legal porque encontramos com todo mundo”. É verdade! O VMB servia para muita gente se rever, já que as agendas não permitem artistas se encontrarem com facilidade. Mas hoje esse tipo de fala não faz mais sentido, porque há ao menos 4 ou 5 prêmios por ano (ou mais), e os encontros ficaram mais frequentes. Até isso foi banalizado. "Até semana que vem no Prêmio X"...

Está na hora de alguém ter culhão para mudar isso. Continuar a capitalizar com esse tipo de evento, mas também agradar a quem assiste, afinal não deixa de ser um reles programa de televisão. Puro entretenimento. Tem gente que leva muito a sério, digo os participantes. Agora todo mundo fica preocupado com instagram, twitter e essas coisas, mas nos dois sentidos: “O que vão falar de mim?” e “Vou postar essa foto aqui!”.

Caramba, é puro entretenimento. No entanto transformam esse tipo de coisa em algo gigantesco. É muito mais fácil e barato entreter a quem está no local da festa e em casa. Não entendo essa necessidade de burocratizar algo que deveria ser muito legal. A meu ver tudo se mistura: mania de grandeza, egocentrismo, soberba e outras coisas que acabam resultando em vergonha alheia.

Ano que vem tem mais premiações chatas, sempre as mesmas coisas, porém piores que o ano anterior. Talvez a qualidade dessas festas esteja ligada a qualidade dos artistas. Vale esse estudo rsrs.