4 de junho de 2012

Série O Resgate da Memória: 28 – Novos Baianos & Acabou Chorare

Neste ano, em novembro, comemora-se 40 anos de um dos grandes clássicos da música brasileira: Acabou Chorare, segundo disco dos Novos Baianos, que começou a ser gravado ainda no final de junho de 1972. Foi um disco que não obteve muita repercussão em seu lançamento e é desses casos de obras que vão adquirindo importância com o passar do tempo. É o retrato de um período vivido por todos em um sítio em Jacarepaguá. A criação era intensa e constante, tanto é que logo no início de 1973 a banda lançou Novos Baianos FC, outro clássico da discografia.
Estão aqui então, já registrando essa importante efeméride, duas reportagens da época: uma da Folha que antecede as gravações e outra da Veja, já sendo resenha de lançamento. Infelizmente outros veículos de comunicação ainda não dispõem de acervo digital...




Folha de São Paulo – 22/06/1972 (Ilustrada)





Espetáculo dos Novos Baianos estreia hoje

Paulinho, Moraes, Galvão e Baby Consuelo, os Novos Baianos estão de volta a São Paulo. Aqui eles começaram sua carreira profissional e gravaram o primeiro disco “Ferro na Boneca”. No Rio, eles fizeram sucesso e se transformaram em assunto de conversa em IpanemaEm seguida, sumiram do cenário artístico e formaram uma comunidade em um sítio de Jacarepaguá.


“Nós estamos muito tranquilos”, disse Paulinho. Vivemos como um time de futebol. Quando a bola chega ao pé do jogador, ele não pode pensar muito. Tem que chutar, driblar ou passar para um companheiro. Só não pode ficar marcando tempo". Este é o pensamento dos Novos Baianos hoje: o dia da estreia de seu show no Teatro São Pedro.

O Show

O espetáculo dos Novos Baianos apresentará diversas composições inéditas. Mas a novidade é na forma como ele foi montado. Cada integrante do grupo mostrará o seu trabalho quase como um elemento independente.

Dentro do espetáculo há quatro shows diferentes, explicou Galvão. “Isso faz com que ele seja muito movimentado. O conjunto A Cor do Som deixou de ser apenas um grupo que nos acompanhava para ser um elemento tão importante quanto Baby, Moraes ou Paulinho.”


Os Novos Baianos acham difícil rotular sua música. Moraes disse que no show há guitarras, sambas baianos e bongós. “Brasil Pandeiro” de Assis Valente (a única música do programa que não foi composta pelo grupo) abre o espetáculo que é encerrado com um forró. Na última música o conjunto deixa as guitarras para tocar cavaquinho, viola e violão.

Novo Disco

O espetáculo dos Novos Baianos ficará em São Paulo apenas até domingo. Terça-feira, eles começam a gravar no Rio de Janeiro. Baby Consuelo contou entusiasmada: “O nosso disco será uma continuação do trabalho desenvolvido no primeiro LP. Há uma música, “Acabou Chorare”, que Moraes compôs especialmente para João Gilberto, um grande amigo da gente. A filhinha de  João caiu e quando ele foi consolar, ela se levantou depressa e disse: “acabou chorare”. A partir dessa frase Moraes compôs uma melodia bem suave mas forte, como as coisas de João Gilberto.

Outra novidade do disco será uma faixa exclusivamente instrumental. Ela foi composta do Pepeu e Jorginho, ambos do conjunto “A Cor do Som”, e chama-se “Um Bilhete para Didi” (Didi é o irmão mais moço de Jorginho). Nessa música Jorginho e Pepeu tentaram expressar sua formação musical: os forrós nordestinos, os trios elétricos, Jacob do Bandolim e outras influencias.

Algumas composições do novo LP lembram o estilo de Dorival Caymmi que, segundo o grupo, conseguiu criar um samba tipicamente baiano. Na entanto, esta preocupação dos Novos baianos não está ligada a “arte regionalista” mas o desejo de criar uma música o mais próximo possível dos dados de cada compositor. Como eles são baianos, o repertório evidentemente terá coisas de sua terra.

No novo disco há, ainda, uma composição cuja a letra é um “manifesto”, no sentido mais amplo, sobre o trabalho atual do grupo. Seu nome é “O Mistério do Planeta”  e seu refrão diz o seguinte: “Vou mostrando como sou e sendo como posso, jogando meu corpo no mundo e andando por todos os cantos.”

Esta é a posição atual dos Novos Baianos, um conjunto que veio a São Paulo viver de música. Fez sucesso no Rio e, finalmente, resolveu compor e viver em paz em uma comunidade em Jacarepaguá.


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Veja – Edição 222– pág. 106 (Música) – 07/12/1972



Dignos do Nome

Há três anos eles vivem e compõem em conjunto. Por isso, mais que o LP de um grupo, ACABOU CHORARE (Som Livre), o segundo da carreira dos Novos Baianos (ex-Novos Bahianos), é uma espécie de trilha sonora da rotina de uma comunidade. Reunidos inicialmente numa cobertura de Botafogo, hoje num sítio em Jacarépagua, a 50 quilômetros do centro do Rio, o “time” como o chama um deles, canta o que vive. “Besta é Tu” (“Ela se derrete toda / só porque eu sou baiano”), uma das faixas, por exemplo, “é um papo para todos os baianos que moram no Rio”. “Menina Dança” (“No canto do cisne / no canto do olho / a menina dança”), homenageia Baby Consuelo, misto de crooner e musa do conjunto. E a letra do título (“Acabou Chorare / ficou tudo lindo / de manhã cedinho”), baseia-se numa frase de Isabelzinha, filha de João Gilberto, enquanto a música e o estilo de cantar retratam o pai: João Gilberto foi um dos convidados da comunidade, no ano passado, e segundo Galvão ensinou “pequenos segredinhos e outras coisinhas” ao grupo. “Olha, vocês estão legais”, disse João na época. “Mas podem melhorar muito.”

Maioridade – Foi quase uma profecia. A rigor, os Novos Baianos, lançados no último festival da TV Record de São Paulo em 1969 com a classificada “De Vera”, seguiam com excessiva aplicação a trilha dos baianos mais velhos, Caetano Veloso e Gilberto Gil. De novo, apenas um hábito, entre concreto e trocadilhesco, de acentuar certas sílabas (“Na santa luta / virgem idade”), além de uma voluntariosa fluência melódica. Como explicam hoje, no entanto, morando em hotéis de segunda e vinculados à televisão, eles não tinham ambiente ou possibilidades técnicas de preparar seus discos. E, apesar de apresentar progressos em dois compactos seguintes, passariam ainda por uma experiência não muito produtiva numa segunda gravadora, a Philips, onde gravaram muitas fitas sem lançar qualquer disco. Hoje, unidos ao grupo A Cor do Som, “numa interpenetração de ideais e musicalidade” como diz Galvão, os oito Novos Baianos, antes apenas quatro, colecionam formações comflitantes, como as de Paulinho Boca de Cantor (Paulo Roberto Figueiredo de Oliveira), ex-crooner de orquestra do interior baiano; Baby Consuelo (Bernadette Dinorah de Carvalho Cidade), niteroiense de família tradicional; e Luís Dias Galvão, ex-engenheiro agronômo, fanático por futebol, como comprovam suas letras. N o LP, elas não foram exatamente filtradas. Por isso convivem harmoniosamente guitarras , pandeiro, cavaquinho, baiões, rocks, música pop e samba.

E, baseando-se na técnica de João Gilberto (“Tinindo Trincando” segundo Galvão segue a tática antiliterária de “Bim Bom”) ou valenso-se de uma abertura criada pelo tropicalismo, os Novos Baianos começam a parecer dignos do próprio nome



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