24 de novembro de 2011

Vinil, CD, MP3, Partículas de Ar

Meu pai era agrônomo (e eu um agrônomo frustrado...rsrs). Ele tinha alguns hobbies: foto, vídeo e som. Em 1971 ele ganhou uma bolsa de estudos para seu Doutorado e a família morou nos EUA (Columbus, Ohio) até 1973. Lá comprou aparelhos de som de última geração como gravador de rolo, equalizador, duas picks ups, dois decks, caixas.

Sempre que havia novidade meu pai ia atrás. Cresci vendo-o cuidar de seus vinis, gravando coletâneas de 6 horas em fitas de rolo (depois dava festas só para tocá-las), mexendo nos botões do equalizador. À medida que cresci também passei a fazer minhas gravações, coletâneas onde podia usar os dois toca-discos com o equalizador.

Escutar e gravar música eram um ritual. Ligar o som, tirar o vinil da capa e colocá-lo na vitrola, trocar o lado, play-rec, levanta agulha, abaixa agulha, vira o lado da fita, pega capa, anota as músicas, lê ficha técnica, limpa agulha, limpa vinil, calcula o final da fita, lado A, lado B, faz fade out pra música não ser cortada repentinamente, muda o lado, repete ou não a música que foi cortada. Tudo isso uma delícia.

Como já escrevi aqui algumas vezes, por eu ter discos importados, vivia fazendo gravações, mas ao contrário de meu pai, eu não usava o gravador de rolo, apenas fita cassete. Mas além dos discos, a aparelhagem também contava e, por isso, eu me dava bem, porque sempre apareciam outros discos importados e raros em casa para serem gravados. Eu podia gravar duas fitas de uma vez. Como era em tempo real, então se sentava com a capa na mão, a conversa rolava e o tempo passava.

Havia todo um cuidado com o vinil, de não colocar o dedo, guardá-lo de forma correta, não deixar no sol, não deixar deitado. Era caro e delicado, podia riscar, empenar e quebrar. Não era objeto para sair de casa, para emprestar ou deixar qualquer um pegar, principalmente os importados. Uma vez danificado, já era, babau, dificilmente você teria outro.

Lembro-me de quando estava no Guarujá passando um final de semana, acho que era início de 1987, encontrei um amigo de infância do prédio onde tinha apartamento. Muito rico, sempre tinha as últimas novidades. Ele me levou até seu carro e me mostrou seu CD player (CD player, que diabo é isso?). Lembro perfeitamente de pegar o CD na mão e ele dizer que não quebrava, não riscava e que, inacreditavelmente, tinha um único lado. Era o fim do lado A, lado B. Aquilo foi um baque muito grande pra mim. Eu até insisti para que ele colocasse o CD do lado inverso, mas ele me disse que não entraria e não tocaria. Fiquei chocado. O primeiro CD que peguei na mão e escutei foi o Concert, do The Cure. Bom começo, não?

Era tudo importado. Mesmo sendo 1987, tudo isso ainda era coisa que víamos nas revistas e reportagens na televisão. Eu tive sorte de encontrar esse amigo podre de rico que me mostrou a grande novidade. Tinha adorado a ideia de um pequeno disco que você poderia levar para qualquer lugar, e mais leve que uma fita cassete!

Eu fui um que demorei a ter um aparelho de CD, mas lembro bem da revolução que causou no mercado, nas lojas de discos, no espaço físico. Não acreditava muito que o CD iria pegar, não que eu fosse um defensor do vinil, blá blá blá. Mas só parei de comprar vinil quando os lançamentos passaram a ser só em CD. Me entreguei, mas como muitos, não abandonei de vez minha aparelhagem de som. Entrei de cabeça no universo do CD apenas em 1995.

Já não era mais o mesmo apego que se tinha com o vinil. Era até chato ter que comprar novamente o que você já tinha, e constatar a diferença na arte gráfica, a perda do visual. Tudo ficou pequeno. Tudo mini. Esquisito. A geração vinil teve que ter um tempo para a adaptação. Mudança de comportamento.

Mas como o CD tinha mais que o dobro de espaço de um vinil, então era gostoso comprar os importados que vinham com encartes mais ricos e cheios de extras. Teve um lado ruim pelo fato de muita banda gravar mais músicas para tentar preencher o espaço do CD e assim, ao invés de um lançamento ter em média 10/12 músicas, passou a ter 15/18 músicas. Por isso tinha muito lançamento com mais músicas ruins que o normal.

Falei de espaço físico nesse tempo de adaptação, porque teve uma época que tanto as lojas como a casa das pessoas, passaram a ter, além do espaço ocupado pelo vinil, um espaço também para os CDs. Eu mesmo passei a ter problema com isso, já que em pouco tempo fiz uma coleção de 200 CDs. Comprei duas torres de 100 que, óbvio, ocupavam espaço. Até que um dia um amigo me mostrou seus CDs colocados em pastas, apenas o CD a capa e contracapa. A caixinha de plástico ele tirava e jogava fora. Isso foi no final dos anos 1990 e a partir de então passei a guardar meus CDs da mesma forma. Não tenho caixinhas de plástico.

Já que com o CD não havia mais o ritual do vinil, da relação com capa e encarte, da troca de lado, da vitrola, agulha, então abandonei as caixinhas em favor de espaço. Nessa era do CD escutar música já virou uma coisa mais fria, a relação não era tão próxima como era com o vinil.

Pra azedar de vez o ritual de escutar música, surgiu o mp3 (alguém aí já pegou um mp3?). A música deixou de ser algo físico, ficou solta, fundiu-se com partículas de ar e hoje toma várias formas e corre entre os cabos da rede mundial, vai e volta para satélites. CD hoje é só back up.

O bom é que, por isso, a música ficou mais acessível. Hoje se vê na rua, de criança a pessoas da 3ª idade com fone no ouvido. Parei de comprar CD há anos. Muito raro fazê-lo. Ou seja, eu que ficava lá em casa gravando vinil, fazendo mixagem de fita pra fita, usando equalizador, limpando agulha, tendo todo cuidado especial em cada fita gravada, hoje ouço os lançamentos que quero, na hora que quiser e onde quiser. Não vejo capa, não vejo encarte, não vejo ficha técnica. Vejo, mas pela internet e não necessariamente na hora em que estou escutando música.

Nunca antes tivemos acesso tão fácil a música, mas também nunca a relação com ela foi tão fria.

Não sou saudosista, achando que o vinil deve voltar junto com todo aquele ritual. Já foi. Quem viveu aquilo, viveu. Quem não viveu, ok, vive seu tempo... e temos que viver conforme o tempo. Vendi toda minha riquíssima coleção de vinis há anos, mesmo ela tendo uma carga histórica significativa.

Haverá um dia em que teremos um chip na cabeça e, para escutar música, bastará apenas pensar no artista que a música tocará, porque de fato ela estará misturada nas partículas de ar. Será?

2 comentários:

Erick Blur disse...

Olá Paulo, tudo bem...?

Sabe o que eu acho... Bons tempos eram aqueles em que você tinha que sair de casa pra ir a discoteca comprar o álbum do artista favorito...
Ou quando não tinha como comprar um certo disco e você tinha que pedir ao vizinho que também era fã do mesmo artista que você... E todo mundo escutava junto as mesmas músicas, dançava, cantava... era tão lindo...

Eu era bem novinho, mas me lembro bem dos meus vinis, e das minhas várias fitas cassetes, e até CD's...
Eu tinha uns 5 álbuns do Legião Urbana (1 eu roubei do meu primo rsrsr...), uns 3 CD's do Catedral, 2 CD's do Oficina G3, tinha 4 álbuns da Elis Regina, uns 2 do Djavan, tinha um vinil do Black Sabbath e 1 do Aerosmith...

De fita, era um montão: tinha do Trêm da Alegria (hahahaha...), do Paralamas do Sucesso, da Cássia Eller (escutava direto...), do Chico Buarque, Tom Jobim (era viciado nesse também...), do Bob Marley, do Pink Floyd, do Nirvana, e só...

Eu sou muito contra essa coisa de download grátis... eu fico pensando, se eu fosse músico, como ia viver??...
Desde de 2007 tenho procurado fazer download pago, algumas vezes não dá, mas sempre que tem uma graninha sobrando, eu vou na loja comprar o CD (afinal a gente só dá valor quando paga né)... provavelmente sou um dos únicos que faz isto, enfim...

Me dá até medo esse negócio de chip, isso pra mim é sinistro, espero já ter ido pro céu, se/quando isto acontecer... hehe...!

http://song-2-pop.blogspot.com/

Paulo Marchetti disse...

Artista ganha grana fazendo show, nunca vendendo CD.
Ah! Por falar em Trem da Alegria, meses atrás eu estava em um show onde Juninho Bill também estava... bêbado de cair sozinho... jeje.
Valeu Erick!