16 de agosto de 2011

O Dólar de Um Milhão

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O DÓLAR DE UM MILHÃO

Débora e Ricardo foram com amigos à uma cantina comer o nhoque da sorte. Eles precisavam de duas notas de um dólar para colocá-las embaixo do prato, como diz a tradição.

A família de Débora, pai, mãe e irmã, moravam no mesmo bairro e ela se lembrou de que seu pai tinha recém chegado de uma viagem de trabalho aos EUA. Ligou pra ele que disse a ela que tinha trinta e poucos dólares em casa.

Após o almoço foram todos à casa de um dos amigos para uma sobremesa caseira e café. Ricardo parou o carro a um quarteirão da casa onde iam e ele e Débora seguiram a pé até o endereço. No curto caminho surgiram duas crianças de, no máximo, 11 anos pedindo alguma coisa pois estavam com fome. A única coisa que o casal tinha era os dois dólares do nhoque da sorte. Débora os ofereceu as crianças que aceitaram na hora. Ela ainda alertou: “Olha, esses dólares são da sorte!”. A criança mais nova ficou curiosa e quis saber o motivo. Débora contou a tradição do nhoque e disse que aquele dinheiro ai trazer mais dinheiro.

Vanessa tinha 10 anos e Juliana tinha 8. As duas irmãs estavam fora de casa havia três dias e é, infelizmente, a clássica história do padrasto desempregado e alcoólatra que abusa das crianças e mãe omissa também alcoólatra. Ninguém tava nem aí para as meninas, que tinham que se virar para sobreviver.

As duas ficaram com a pulga atrás da orelha e não estavam acreditando naquele dinheiro estrangeiro. Perto de onde estavam tinha um hospital e elas eram amigas de um dos flanelinhas daquela área. Foram até ele para pedir ajuda.

Robson tinha 23 anos e há 5 se ocupava como flanelinha da principal rua do Hospital Central. Guardava e também lavava os carros. Era honesto, trabalhador, ajudava em casa, e ainda sobrava dinheiro para se divertir.

Ele disse as meninas que era dinheiro americano de verdade e que dava 10 reais pelos dois dólares (os dois valiam, na época, uns 5 reais). Elas negaram a oferta dizendo a ele que se tratava de dólares da sorte e que valia mais que 10, porque eles vinham de família muito rica e estrangeira, exagerando sobre a origem daquele dinheiro. Vanessa ainda disse que tinha vindo de gente famosa. Então Robson deu a elas 20 reais, o que para Vanessa e Juliana era uma fortuna.

Robson ficava admirando os dólares como se fosse uma grande barra de ouro. Ali ele chegou a conclusão de que aquele dinheiro não tinha chegado à ele sem querer, e que eram seus dólares especiais, intocáveis. Ainda na cama admirava o dinheiro e nem mostrou para a família.

Dez dias depois de ter comprado os dólares, Robson teve que salvar seu primo de uma dívida de jogo. Coisa boba, aposta de sinuca de boteco, mas acabou devendo 50 reais a um cara da turma dos traficantes da área conhecido como Pé na Cova. Era pagar ou morrer. Robson foi conversar com Pé na Cova e resolveu abrir mão de seus dólares da sorte. Com muita lábia conseguiu convencer Pé na Cova de que se tratava de dólares que tinham pertencido a “uma grande estrela do cinema americano”.

Mentiu dizendo que havia pago 30 reais por cada dólar e que iria revendê-los por 60 reais cada um, mas que daria a ele para saldar a dívida de seu primo. Trato feito. Pé na Cova ficou com os dólares.

Pé na Cova, na verdade, era um tipo de garoto de recados dos traficas da área. Era o famoso assistente do mosquito do coco do cavalo do bandido, ou se preferir, o Aspone (Assistente de Porra Nenhuma), mas mesmo assism botava panca de mau, andava armado e vivia com dinheiro graças as gordas gorjetas que ganhava pelos serviços prestados. Agora era ele quem tratava os dólares como especiais. Pé na Cova tinha certeza de que aquele dinheiro iria trazer mais dinheiro a ele. Seu sonho era morar em Miami e gravar um CD de rap cantando em inglês.

Tempos depois Pé na Cova tomou uma geral da polícia. Por sorte estava sem sua arma, voltando da balada para casa a pé com amigos. Era madrugada e tomaram um baculejo por nada, só por estarem conversando alto e rindo no meio da madrugada.

Um dos policiais, obviamente folgado, abriu a carteira de Pé na Cova e achou os dólares. Puxou-os e falou: “olha, o pivete tem dinheiro americano! Andou assaltando gringo moleque?”. Ao ver a cara de decepção de Pé na Cova, o policial ficou intrigado e quis saber se os dólares tinham alguma coisa de especial.

“Paguei 100 reais em cada um deles”, disse Pé na Cova, e completou afirmando com absoluta convicção de que aqueles dois dólares tinham pertencido a cantora Madonna. Disse que iria emoldurá-los para vender, e completou dizendo que os dólares tinham sido gorjeta dada pela própria cantora na última vez que ela tinha vindo ao Brasil. Claro que o policial pegou os dólares para ele.

O policial Danilo tinha o desejo de terminar de fazer o 2º andar de sua pequena casinha na periferia. Apesar de corrupto, não era rico e nem vivia com folga financeira. Na área onde mora tem que disfarçar sua profissão. Na verdade o fato de ser corrupto pesa na consciência de Danilo, mas tendo 4 filhos para criar, só seu salário não basta. Ele costuma jurar para ele que assim que terminar a obra na laje, vai parar com as ilegalidades.

Ele só precisava de mais R$ 1.200,00 para acabar sua casa. Resolveu acreditar naqueles dólares e colocou cada dólar em uma moldura. Com eles na mão resolveu que iria vendê-los a R$ 600,00 cada um.

Um dia Danilo teve que ir ao Fórum Criminal e depois de horas lá, conversando com um advogado particular, contou a ele sobre os dólares de Madonna. O advogado mostrou interesse já que suas filhas eram fãs de Madonna. Danilo percebeu que o advogado era bem rico e pediu 800 reais por cada dólar. Conseguiu vendê-los ao advogado 600 cada um, como queria.

Dr. Ronaldo era um advogado bem conceituado, bastante requisitado e caro. Tinha seu escritório, seus clientes, era professor, autor de livros e palestrante. Morava em bairro de altíssimo padrão e tinha até casa no exterior. Uma de suas filhas, a Carolina, era uma geniazinha de 19 anos que estava de mudança para os EUA para estudar em Harvard bem na época em que ganhou o dólar do pai.

Depois de um ano nos EUA, Carolina resolveu dar uma festinha em casa. Muitos convidados questionaram sobre o dólar pendurado na parede. Carol contou a história, mas um dos colegas questionou sobre o selo de autenticidade, mas Carol disse que não tinha como consegui-lo já que foi uma gorjeta dada no meio da rua. Disse que para ela não importava em não ter o selo.

A festa seguiu, todo mundo encheu a cara, inclusive Carol. A casa ficou de pernas para o ar e o dólar de Madonna acabou sumindo. Alguém tinha roubado.

Kelly era inglesa e estava de passagem por Harvard e, dois dias antes de voltar à Londres, acabou indo à festa de Carol, mas sem conhecê-la, foi com um grupo de amigos. Ela também era muito de Madonna e, a certa altura, bêbada como todo o resto da festa, pegou o dólar da parede colocou dentro das calças e foi embora. Ninguém viu.

Cheia de ideais hippies e humanitários, Kelly resolveu incluir o dólar em um leilão que a ONG onde trabalhava estava organizando em pról das crianças doentes e desnutridas da Etiópia.

Kelly deu mais uma investida e trocou a moldura por uma mais bonita, cara e segura. Disse aos amigos que, apesar de não ter selo de autenticidade, aquele dólar tinha sido de Michael Jackson, dado por ele como gorjeta a uma menina pobre da favela Dona Marta no Rio de Janeiro onde ele havia gravado parte do videoclipe da música “They Don’t Care About Us” em 1995.

A ONG e os organizadores do leilão acreditaram na história e resolveram ir atrás do selo de autenticidade para o agora dólar de Michael Jackson. No fim das contas a família Jackson, ainda abalada pela morte de Michael, acabou validando o dólar, já que também não tinha como ter certeza se tinha sido dele ou não. Mas vinda de uma ONG séria, também acreditou e validou toda a história.

No leilão, um rico investidor que não se identificou, comprou o dólar pelo preço final de 1 milhão de dólares e o doou para o Museu De Young em San Francisco, nos EUA. Não muito tempo depois, um terremoto atingiu San Francisco e o De Young veio abaixo, não sobrando praticamente nada dele em pé. As primeiras pessoas a passarem pelo Museu após o terremoto foram alguns mendigos, que acabaram pegando alguns objetos de prata e ouro antes mesmo da polícia chegar. Um desses mendigos achou o dólar de Michael Jackson fora da moldura, que havia quebrado inteira, e colocou-o no bolso, já que estava juntando uns trocados para comprar um maço de cigarros.

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