12 de março de 2011

Série O Resgate da Memória: 18 - Debate Bizz Rock Brasileiro (4 de 6)

Revista Bizz - fevereiro/1988
Debate Rock Brasileiro - Parte 4
Que barulho é esse?


Paulo Ricardo - A gente; com o perdão da palavra se fudeu. Porque nós somos péssimos empresários. Você tem que ter um saco, um carinho pela parte numérica da coisa. No que realmente eu não tenho o menor interesse. E a gente esbarrou com o Plano Cruzado II, ninguém tinha um puto, todas as pequenas empresas que abriram em 86 faliram, e a gente já tinha colocado todo nosso cacife até aquele momento, e aí não tinha mais. A hora em que o disco estava pronto, ai tinha que começar um puta trabalho, de ter um cara para levar o grupo a radio, tudo que é AM e FM, encher o saco, marcar um monte de entrevistas, ter um cara de imprensa para ir lá na BIZZ, bota lá a foto dos neguinhos, ficar ligando...
Gutje - E vocês chegaram a ficar com discos encalhados?
Paulo Ricardo - Ta lá, tem milhares de discos, quem quiser pedir pelo reembolso postal...(risos).
Scowa - Dê repente você produziu um disco como o do Cabine C esperando conseguir as mesmas coisas que você conseguia como contratado de uma grande gravadora... Se fosse assim, não existiria nem o pessoal do heavy em Belo Horizonte (o Cogumelo Discos), não sobreviveria nem a Baratos Afins, em São Paulo. O grande problema á fazer alguma coisa pensando no padrão das bandas bem sucedidas...
Gutje - Dar o passo maior que a perna...
Herbert - Mas Scowa, tem que ser competitivo, não tem mercado. Ou compete ou sai fora.
Lemos - Eu acompanhei, de certa forma, o trabalho do Baratos e Afins e da Wop Bop (outro selo independente paulista). Até gravar o disco, tudo bem. O problema é a distribuição, tinha que haver algo como o Cartel na Europa ( a distribuidora que reúne vários Selo independentes, que no exterior já comportaram sucessos como o dos Smiths - só recentemente capturados por uma grande gravadora - e New Order). Divulgação é bobagem...
Herbert - O que é isso, cara?!
Lemos - É bobagem. O pessoal das gravadoras raciocina sempre do mesmo jeito: fazer um release, uma festa, um avião com uma faixa mas no fundo essas coisas nem sempre influenciam muito. Eu sinto que no público de rock a coisa é muito mais boca-a-boca...
Paulo Ricardo - Música tem que tocar no rádio, pra todo mundo ouvir...
Lemos -...se o Violeta de Outono for ao Chacrinha, por exemplo, eles vão perder o público deles, vão se queimar ... Isso aconteceu com o Muzak que era uma banda exclusivamente underground. No momento que eles foram no mainstream, o público deles os abandonou e eles não conquistaram público novo. Isso acontece, sei que o Violeta não vai ao Chacrinha não porque eles achem o Chacrinha o Anticristo, mas porque eles sabem que correm o risco de perder o público deles e não ganhar ninguém (discussão generalizada).
João - (se sobressaindo do berreiro) Ninguém dá atenção pra mim só porque eu sou independente (risos)! É o seguinte; cara, todo mundo falou, falou, falou, um monte de coisas de gravadora, não sei de que; milhões, receber isso, aquilo, todo mundo empapuçado de tocar, tédio, muitos meu Deus! A gente está completamente por fora disso. É o seguinte, a gente tem anos, a gente viu Plebe no Napalm, Legião no Napalm, deu risada do RPM no Madame Satã (casas noturnas paulistanas, se apresentam as bandas em início de carreira). Paralamas abriu uma vez para os punks no morro da Urca, no Rio, e recusou a borboletinha de segurar os pratos bateria, emprestada, por nós... (risos).
Herbert - Só uma aparte. Foi porque a gente tinha feito o mesmo um mês antes de irem, e o pessoal roubou um monte de pedais que a gente tinha suado para comprar.
João - Não, isso é antigo, só estou falando isso porque eu presenciei tudo, cara. Eu acho que o nosso destino é ser underground para sempre. A gente não se interessa por esse monte de coisas que vocês estão discutindo aqui.


Paulo Ricardo - O Lemos disse que se o Violeta de Outono for ao Chacrinha eles te queimam. Se vocês forem ao Chacrinha vocês acham que se queimam?
João - Cruz credo, cara. Eu prefiro morrer do que ir ao Chacrinha.
Lemos -Mas ao mesmo tempo, João, o país é grande, tinha que ter um sistema de distribuição. Tem gente no Pará que de repente ia adorar os Ratos de Porão. Essas pessoas tem que receber esse disco...
Sandra - Para ele ir ao Pará, tem que ir ao Chacrinha.
João - Eu prefiro "pará" do que ir ao Chacrinha...(risos)
Sandra - Não, é verdade. Para você show no Nordeste; você tem que a umas três vezes no ChaCrinha, Senão alguém te leva.
Paulo Ricardo - (para João) Posso um cigarro dos seus? (espantado). Pô, ele é o único independente do mundo que fuma Gauleses (uma marca de cigarros francesa)! O Brasil é o país dos contrastes! (risos. Alguém parodia: "Que cigarro é esse?´?
João - ... Outra coisa, o Renato falou contato com o PÚblico. Eu acho que bandas que estio aqui a que tem maistato com o público é a gente. Ontem mesmo, no show, a platéia subiu em cima palco e ficou. Fazer o que? Tirar os na porrada?
Nasi - Mas eu acho que há várias formas de se fazer isso. Ninguém sobe no nosso palco, mas depois do show a gente sai, entra no meio das pessoas.
João - Prefiro morrer a tirar a distorção da guitarra, cara.
Herbert - É bonito, isso...
João - A gente está aí há seis anos, vocês com dois, três, já estão com o rabo cheio de dinheiro. E a gente continua insistindo no nosso radicalismo, no peso, gritaria, barulho, falando mal de todo mundo...
Thomas - Eu posso falar um pouco disso porque a banda em que eu toco, Fellini, está na mesma condição que os Ratos de Porão, mas fazendo um som bem diferente deles. Temos uma postura intermediária - gente tem interesse no que acontece nas gravadoras grandes, mesmo porque acho que a nossa sobrevivência depende disso, da gente descolar uma gravadora agora.
João - Vocês iriam no Chacrinha?
Thomas - Não, não iríamos. Mas concordo com o Lemos, eu acho que tem coisas que você pode abrir mão numa boa, para conseguir uma certa divulgação, alternativa. Mas não sou pessimista... toda essa trajetória da feitura do disco ao consumidor tem que ser feita selecionadamente. Não adianta você querer enfiar o disco do Fellini no atacadista, mesmo que você tenha uma empresa de distribuição que possa fazer isso. O atacadista não conhece, não vai comprar. Você tem que levar direto às lojas - todos os centros urbanos têm lojas especializadas em discos independentes. Tem Câmbio Negro em Belo Horizonte, tem Wop Bop, a Baratos Afins, a Bossa Nova em São Paulo, tem não sei o que em Porto Alegre... Mas vocês, Ratos, têm público, fazem show e tal... Se vocês não tiverem essa preocupação com gravadora, vai acontecer com vocês o que está acontecendo com gente, vocês vão terminar. Vocês vão ficar de saco cheio... (discussão generalizada)
Scowa - Eu sou músico há quatorze anos, bicho, acho que eu sou músico há mais tempo que qualquer um aqui, já passei por tudo que vocês podem imaginar, morei fora , do Brasil... Não concordo com esse negócio que você está dizendo, de que os Ratos vão morrer por ter ou não ter gravadora. De jeito nenhum! Se você fizer o disco independente se você tem um público, você sobrevive com ele, sem precisar tocar em rádio, sem nada...
Herbert - As pessoas estão falando aqui em alternativas... Eu acho que as bandas que estão aqui, as que fizeram sucesso, mudaram o rádio brasileiro, numa época em que não se tocava rock. Lembro das discussões da Odeon,quando a Legião estava gravando o primeiro disco: "Não, isso não vai tocar no rádio", e tocou! Então essa é a história do diferente, de manter a radicalidade...

PARTE 5

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