24 de fevereiro de 2011

Série Anos 1990 SP: 12 - Filosofia Barata Sobre o Final da Década

Eu e Gastão no estúdio Be Bop
Este é o último post da série que começou em julho de 2010. Minha vontade, ao criá-la foi de registrar o período das bandas que cantavam em inglês e a quente cena das casas noturnas da época.

Um período engraçado por ter tantos espaços para tocar, mas ao mesmo tempo tudo sendo de certa forma desperdiçado pela maluquice das bandas em visionar o mercado internacional.

Foi tudo uma questão de dinheiro, coisa que ninguém tinha até a mudança de plano econômico. Assim que ele reapareceu, as gravadoras voltaram a investir, mas jamais fariam isso com uma banda brasileira metida a americana.

Okotô no Aeroanta
Parece que tudo já estava escrito e articulado, porque ao mesmo tempo em que o dinheiro voltava a circular, artistas como Raimundos, mundo livre s/a, Skank, Chico Science & Nação Zumbi, O Rappa, Planet Hemp, Pato Fú surgiram para a mídia e logo as principais gravadoras os contrataram. Essas bandas, quando underground, não faziam parte dessa cena paulistana. A maioria delas ou seus integrantes já tocavam nos anos 1980, e todas elas sempre cantaram em português.

Num piscar de olhos era como se nada daquilo que aconteceu entre 1990 e 1995 tivesse existido. De um segundo para outro tudo havia mudado. Aquelas bandas americanas que tanto lutaram para ter um espaço na MTV, nas rádios e revistas sumiram em menos de dois anos e os artistas que citei no parágrafo acima invadiram toda mídia. Era como se tivéssemos entrado em uma nova década. Mas não era!

Raimundos no Pacaembú
 Não que essa primeira metade da década tenha sido nebulosa, nada disso. Foi maravilhosa. Mas era impossível ver a luz no fim do túnel principalmente em anos como 1990-91-92. Depois a luz começou a surgir e, em 1995, chegou o fim do túnel e quem aproveitou isso não foram as bandas do underground que cantavam em inglês.

De repente estávamos em 1995-96-97 e novos horizontes surgiram. A noite paulistana também mudou, o Jardins deixou de ser o centro da noite, a Vila Madalena se fortaleceu com novos bares como o Superbacana, Torre do Dr. Zero, Empório Cultural, Diretoria, Brancaleone e outros. Der Temple e Retrô ficaram para a história assim como o Dama Xoc, Aeroanta e Garage. A Warner incorporou o Banguela, a Tinitus fechou e todas as gravadoras passaram a querer ter seu próprio Raimundos e CSNZ.

Yo Ho Delic
Em 1997 toda a rapaziada que gostava de grunge e das college radios americanas cortou o cabelo e foi atrás das novas tendências. Lembra do que falei a respeito da falta de personalidade? Era a vez de valorizar a música brasileira.

Em 1998-99 a TV a cabo já estava bastante difundida, em todos os escritórios já havia internet, que também estava chegando em todas as casas, mas ainda discada. Como as coisas mudaram de 1991 para 1999!
Massari e Johnny Monster
A cena underground mudou e já não tinha mais a mesma energia do começo da década. O Juntatribo acabou, o Superdemo também e o Abril Pro Rock cresceu e mudou. Muitas bandas do interior paulista sumiram e o fato era que a geração 1990-95 estava crescida, se dispersou e cada um foi cuidar da sua vida.

Isso aconteceu mesmo com quem não tocava, com todo o pessoal que frequentava os mesmos lugares, todos foram crescendo e tomando rumos diferentes. Claro que muitos ainda se viam pelos bares da Vila Madalena ou algum show, mas já era outra história.

Foi uma delícia viver tudo isso!

18 de fevereiro de 2011

Série O Resgate da Memória: 17 - Blitz (Pipoca Moderna - 1982)

Em 19 de fevereiro de 1981 Blitz fez seu primeiro show no Bar Caribe (RJ). Ainda era um embrião de uma idéia que estava surgindo. O nome da banda foi dado pelo então baterista Lobão. Foi tudo no improviso (inclusive houve poucos ensaios para o show), mas foi suficiente para chamar a atenção de quem estava lá. A formação da banda nesse primeiro show era: Evandro Mesquita (vocal e gaita), Ricardo Barreto (guitarra), Arnaldo Brandão (baixo. Sim ele mesmo!), Zé Luiz (sax), Guto Barros (guitarra, depois tocou com Lobão e Os Ronaldos) e Lobão (bateria). Entre os presentes no show, estava o baixista do Queen John Deacon.
Como homenagem a essa data publico aqui a transcrição de uma matéria da banda na boa e velha revista Pipoca Moderna.
Ah! Dia 19/02 é também aniversário de Evandro Mesquita.



Blitz
Pipoca Moderna – nº 1 – outubro/1982
Por Antônio Carlos Miguel
(Nota: a transcrição inclui eventuais erros de português)



Enfim uma banda sem preconceitos nem dogmas nem dobermans nem pointer...

Eles chegaram dando geral. Subiram às cabeças com “Você Não Soube Me Amar”, tomando de assalto as rádios de Rio, São Paulo e Salvador com a estória de um amor acabado numa linguagem jovem, direta. Rock. “Vocês conseguiram dizer tudo o que nós gostaríamos de ter falado mas nunca tivemos oportunidade ou coragem de dizer”. Foi mais ou menos isso que o pai de uma das cantoras falou para a filha, também se identificando com a letra da canção. E é isso o que mais surpreende no sucesso da banda que está ocupando todos os espaços, das AMs às FMs. Eles estão transando uma nova linguagem e atingem os mais variados públicos.

Agora, depois do sucesso da canção – lançada num meio-compacto que vendeu, em dois meses, 50 mil cópias – eles enfrentam uma prova de fogo com o LP As Aventuras da Blitz. Com algumas músicas com problemas na censura, o disco foi editado com lacre e proibido a menores de 18 anos. Fato que não assusta os seis integrantes da banda. Afinal, eles chegaram prontos pra tudo.

O núcleo a Blitz formou-se em torno de Evandro Mesquita (cantor, compositor e guitarrista) e Ricarado Barreto (guitarrista). Eles formaram o grupo a cerca de dois anos e vinham se apresentando em bares da zona sul carioca. Diversos componentes passaram pela banda até a atual formação: Evandro, Ricardo, Márcia e Fernanda (vocais), Antônio Pedro (baixo) e William (teclados). Estes seis, mais o baterista Lobão, fizeram shows no Circo Voador, no Arpoador, no verão passado e não se separaram mais.

Evandro veio do grupo teatral “Asdrubal Trouxe o Trombone”. Sempre ligado a música, ele costumava aparecer em algumas cenas empunhando seu violão acústico. Como ator, também trabalhou nos filmes Menino do Rio e O Segredo da Múmia. Ricardo tem uma longa batalha nos grupos de rock no Rio, em São Paulo (Piloto Automático) e em Florianópolis (Banda Jhara). As duas cantoras, Márcia e Fernanda, vêm de experiências em teatro e dança. Márcia, paralelamente à Blitz, participa do grupo teatral Disritmia. Fernanda dança com Tatiana Lescova e participa do grupo de dança contemporânea Fonte. Antônio Pedro foi integrantes dos Mutantes – no período registrado no disco ao vivo – e participou das bandas de Tim Maia, Raul Seixas e Lulu Santos. William é paulista e antes da Blitz tocou no grupo Apocalipse, Gang 90 & Absurdettes e com Marina.

Eles transam em sua música diversas informações mas não recusam o rótulo de roqueiros: “Rock é música do século XX”, afirma William. “Mas nós transamos de Moreira da Silva a Bob Marley”, completa Evandro, “passando por Novos Baianos (o disco Acabou Chorare fez a minha cabeça), Beatles, Stones, Dylan, Pelé, Garrincha, Zico, Caetano... e milhares de outros. Não dá pra citar todo mundo. Aliás, no disco nós botamos uma relação de nomes que fizeram a nossa cabeça, nos ajudaram e contribuíram para essa coisa toda”.

A melhor definição da salada sonora da Blitz veio deles próprios: “Rock de breque” ou “Breque’n’Roll”. Canções ritmadas com muito papo. Descontração, brincadeiras e um clima teatral que pode ser creditado ao passado asdrubalino de Evandro. Apontado em diversas matérias como líder da banda ele reage e diz que a Blitz não tem chefe: “Somos todos índios sem caciques”. Nesta tribo, aberta aos que ainda não foram capturados pelo sistema, rola a alegria e o prazer.

Quanto ao disco eles estão empolgados com o resultado e o clima de liberdade que cercou as gravações. “O pessoal da gravadora entendeu a nossa postura e não interveio em nada”, diz Evandro. “Não encontramos barreiras e conseguimos criar uma concepção nova, desde a música até a capa e mesmo a forma de trabalhar o LP. Releases, cartazes, fotos... tudo isso com uma linguagem fiel a nossa proposta. Muito de nossa vivência, o lance teatral, o visual das estórias de quadrinho...”.

Para as apresentações ao vivo a Blitz também joga com estas variadas informações. Encenações, vestuários, luzes, tudo o que possa enriquecer sua presença no palco.

Nas canções do disco, um painel de influências: há um rock jovem guarda, “Volta ao Mundo” (Evandro/Chacal e Patrícia Travassos); duas faixas com sonoridades caribeanas, “Geme Geme” (Barreto/Antônio Pedro e Bernardo Vilhena) e “Vai, Vai, Love” (Evandro e Barreto); alguns blues, “Cruel, Cruel” (Evandro e Barreto), Totalmente em Pranto” (Evandro e Barreto) e “Vítima do Amor” (Evandro) e baladas e rocks confirmam a disposição da banda.

Gravado nos meses de julho e agosto nos estúdios da Odeon, em Botafogo, no Rio, As Aventuras da Blitz é um disco repleto de emoções e surpresas. É de “blitz” assim que o mundo precisa. Chega de barras pesadas e sujeiras.


14 de fevereiro de 2011

Série Coisa Fina 5: Combat Rock (The Clash)

Falar de qualquer coisa relacionada ao Clash não é fácil. Ela é a banda nº 1 de centenas de milhares de pessoas no planeta Terra e de outros planetas também. Não duvido nada...

Pra mim é difícil dizer qual disco do Clash gosto mais. Sei que também não sou o único a ter essa dificuldade. Mas, somando todos os anos que tenho de audição de Clash, certamente o mais escutado é o Combat Rock.

Fui um privilegiado. Em 1982 minha irmã Fernanda passou uns tempos na Itália em um intercâmbio. Na volta trouxe muitos discos e entre eles uma edição inglesa de Combat Rock. Isso em agosto ou setembro, poucos meses após seu lançamento. Nessa época muitos álbuns estrangeiros demoravam até um ano para ter sua edição brasileira. Tinham artistas que seu lançamento no Brasil dependia de seu sucesso ou nos EUA ou na Europa.

Essa minha edição inglesa – que tenho até hoje – veio com um pôster que era uma foto da banda sentada numa mesa cheia de garrafa de coca-cola, na varanda de uma casa. Me roubaram o pôster. Se alguém falar a você que é da Turma da Colina, não confie na pessoa...

Obviamente depois de London Calling o Clash não poderia mais fazer o que fez em Clash ’77 e Give ‘Em Enough Rope. Digo não naquele momento. Aí veio Sandinista! que dividiu crítica e público. Meia muzzarela, meia calabresa. Após esse disco triplo cheio de experiências, até caberia uma volta às raízes. Seria um tapa na cara da new wave (apesar de Combat Rock ter sido). Mas a fila anda, outras influências foram incorporadas ao longo dos anos, e aí veio o Combat Rock, com forte texto político, misturando rock, reggae, funk e jazz.

Mais uma vez diferente de tudo que a banda já tinha feito. Não tão experimental quanto Sandinista!, mas um disco difícil de assimilar. Tanto é que sua vendagem foi aumentando aos poucos e só um ano depois, em 1983, que chegou a marca de um milhão de cópias vendias (Platina). Também foi em 1983 que o disco chegou ao 5º lugar na parada principal da Billboard. Um feito e tanto.

Assim como Sandinista! Combat Rock também dividiu crítica e público. Uns amaram enquanto outros odiaram.

A verdade era que o clima na banda não estava nada bom. Topper Headon estava afundado na heroína, e iria afundar ainda mais. Joe Strummer e Paul Simonon estavam cada vez mais de saco cheio de Mick Jones. Para Joe a banda deveria ter tirado umas férias e não ter gravado um novo disco. O clima no estúdio não foi nada bom. Tanto que no final das gravações Headon saiu da banda.

Glyn Johns foi o engenheiro chefe e mixou o disco. Entre as bandas que Glyn trabalhou estão Beatles, Bob Dylan, Who, Led Zeppelin, Eagles, Rolling Stones e Eric Clapton. Também tem a participação mais que especial do poeta beatnik Allen Gingerg, que era um ilustre fã de Clash. Ele declama trecho de um de seus poemas em “Ghetto Defendant” e também faz backing vocal em outras faixas. O disco foi lançado em 14 de maio de 1982, sorte de Michael Jackson que só lançou Thriller meses depois, em novembro...

Adoro a mixagem do disco, apesar de ter tido algumas brigas nesse momento. Acho ótimo tudo, os funks, as disco music, os rocks e principalmente os climas em músicas como “Atom Tan”, “Sean Flynn”, “Ghetto Defendant”, “Inoculated City” e “Death is a Star”. Ou seja, praticamente o lado B.

Engraçado a última música do último disco do Clash se chamar “Death is a Star” (A Morte é Uma Estrela).

Você pode dizer que não, mas pra mim o Combat Rock é sim o último disco do Clash.

É um disco que está no hall daqueles que fornecem inspiração eterna.

Lado A
Know Your Rights
Car Jamming
Should I Stay or Should I Go
Rock the Casbah
Red Angel Dragnet
Straight to Hell

Lado B
Overpowered By Funk
Atom Tan
Sean Flynn
Ghetto Defendant
Inoculated City
Death is a Star
























10 de fevereiro de 2011

DVD: O Desgaste de Um Formato

Em uma reportagem do Skank, publicada no 2º semestre de 2010, Samuel Rosa abre falando sobre a indiferença de alguns meios de comunicação quanto ao fato da banda ter colocado 50 mil pessoas no Mineirão para gravar o seu DVD.

Entendo Samuel e sua ponta de frustração quanto à repercussão de tal feito que não é para qualquer um. Mesmo sendo de graça, foram lá 50 mil pessoas para assistir ao Skank. Não era festival, era show do Skank! Além disso, o evento foi o último no velho Mineirão que agora está fechado para reforma da Copa 2014.

Samuel acha que talvez seja pelo fato de ter sido feito em Belo Horizonte, fora do eixo Rio-São Paulo. Não acredito nessa hipótese. Eu sei o nome do motivo: desgaste.

Não digo desgaste da banda, longe disso, mas sim o desgaste de um formato de show para DVD que já não atrai tanta atenção – e que jamais atraiu a minha! O problema é que todos os grandes nomes da música querem gravar DVD de forma épica. Por quê?

Falo desses DVDs que trazem uma produção gigantesca, palcos mirabolantes, cenário e iluminação de milhões de dólares, 38 câmeras, 7 gruas, 8 travelings, 19 helicópteros fazendo imagens extras, enfim, muita coisa para absolutamente nada. Todo esse gigantismo exagerado não significa nada para o público. Não vou comprar um DVD do Red Hot Chili Peppers só porque foi gravado na locação ‘X’ com 819 câmeras de alta definição e assistido por duas milhões de pessoas. Vou comprar o DVD do RHCP por outros motivos: tem as músicas que eu gosto? As qualidades de áudio e vídeo são boas? Dá pra ver a banda tocando? As imagens vão me colocar dentro do palco? Se há tudo isso eu compro, principalmente se eu puder ver a banda tocando. Não importa se foi gravado na esquina, sem palco e sem cenário ou no Madison Square Garden com ultra estrutura bilionária. Eu quero poder ver a banda tocando como se tivesse ao lado dos integrantes.

As emissoras, gravadoras, artistas e empresários, sentam para conversar e a única coisa que conseguem pensar é no quanto deverá ser grande a produção. Errado. Muito errado. Eu amo spaghetti a bolonhesa, mas se ficar comendo todo dia eu vou enjoar.

Eu gosto muito mais de poder ver uma apresentação intimista, do que algo épico. Eu tenho um DVD do The Cure chamado Trilogy. Um épico de três discos onde a banda reproduz ao vivo três discos inteiros: Pornography, Desintegration e Bloodflowers. É lindo, mas muito melhor é o Acústico descompromissado que a banda fez para a MTV nos anos 1990, onde todos tocaram sentados no chão, com as câmeras bem perto. A banda tocava e ria pela diversão. Mesmo curta, essa apresentação é impagável. Como profissional, fã e consumidor, prefiro muito mais um produto que me coloque ao lado do artista, que seja mais simples, mas que me proporcione uma certa intimidade que jamais terei em um show no Mineirão ou Maracanã. Faça isso e eu pago o preço que for.

Outra coisa que é chata na maioria dos shows que vemos na TV e em DVDs é a forma como ele é editado e/ou cortado. É tudo uma bola de neve: se você pede para ter 427 câmeras, na hora da edição ou exibição terá que justificar o custo mostrando-as todas. Aí fica uma coisa louca de cortar de uma câmera para a outra e você em casa vê um monte de imagens sem assimilar nada. O corte de câmera é tão frenético que você não consegue ver o vocalista cantando, o guitarrista solando, o baterista tocando. Mostra o vocalista, mostra o público, mostra imagem do helicóptero, mostra o baterista, mostra o baixista, mostra a menina chorando, mostra o vocalista, mostra o público. Coisa de doido.

Esse tipo de corte frenético começou a ser feito nos anos 1980, quando alguém resolveu fazer um show como se fosse videoclipe e isso acabou virando "regra", com os profissionais trabalhando no automático. Você pensa em um DVD e logo vem à cabeça aquele monte de imagens que te mostra tudo e você não vê nada. Prefiro uma edição mais lenta, que mostre de fato o artista executando seu instrumento, que dê tempo para eu ver e entender a imagem que está sendo mostrada.

Acredito que o que acontece agora é o que já aconteceu com o Acústico: o desgaste do formato. Inclusive na MTV americana ele deixou de ser produzido ainda nos anos 1990. Aqui no Brasil não, até por força das gravadoras que gostam de Acústicos. Esse projeto surgiu com a intenção de se fazer algo diferente e mais intimista (foi criado por um operador de câmera), mas foi tomando outras proporções. Na MTV uma das minhas funções era exatamente receber e assistir todos os Acústicos internacionais e prepará-los para ir ao ar aqui. Vi tudo. Os mais legais eram aqueles mais sem compromisso. Nem vou nominar porque são muitos, mas o do Cure é um bom exemplo, o do Live e o da Legião Urbana também.

Como consumidor e fã, pra mim uma imagem de um helicóptero mostrando um público gigante ou um plano geral que mostra o quanto o palco é enorme só me distancia do artista. Fica frio. EU não gosto.

Mas não quero ser radical, há momentos em que esse formato mais dinâmico funciona e é bem vindo. Eu mesmo trabalho dessa forma quando é preciso. Um bom exemplo são as transmissões ao vivo de festivais.

Esses DVDs ‘Ao Vivo’ feitos em parceria, principalmente, com emissoras de TV, podem e devem ter uma edição épica para a televisão, mas para o DVD vendido em loja vale uma edição especial, mais intimista, porque mesmo sendo ao vivo no Cristo Redentor para 10 milhões de pessoas, dá para fazer uma edição diferente.

O mercado há tempos carece de produções mais autorais e menos padronizadas.



CURE!!!



Stop Manking Sense do Talking Heads é minha eterna referência. Foi dirigido por Jonathan Demme que depois fez Totalmente Selvagem e O Silêncio dos Inocentes, entre outros filmes.



Este especial com Nando Reis e Skank tocando as parcerias de Nando e Samuel fui eu que fiz. Logo na primeira reunião quando me chamaram, houve consenso em trabalhar com uma luz fixa para valorizar não só a fotografia como a direção de arte; e também com um corte mais lento, com movimentos com começo, meio e fim.

5 de fevereiro de 2011

Duas Autobiografias

No Natal ganhei dois livros, duas autobiografias: Vida, de Keith Richards, e 50 Anos a Mil, de Lobão. Devorei-as em 25 dias. Podia compará-las, mas seria injusto. Como diz o outro, “vamos por partes”...

Primeiro é bom lembrar que não é fácil escrever sobre si mesmo, ainda mais quando sua história é cheia de acontecimentos, digamos, delicados e/ou cabeludos. Você já experimentou colocar no papel um segredo seu, ou uma história comprometedora? É difícil... imagine então escrevê-las em um livro, um documento que ficará pra sempre.

Se perguntarem pra mim o que vem à cabeça ao ouvir a palavra rock’n’roll, sem piscar digo Keith Richards. Na foto de meu primeiro RG, tirado em 1983, estou com uma camiseta com ele na estampa. Meu grande ídolo.

Lembro quando saiu o Talk Is Cheap em 1988, em meio a boatos de que Rolling Stones havia acabado porque Mick Jagger iria cuidar da carreira solo. Saí correndo para comprar e logo na primeira música imaginei Jagger aos pés de Keith pedindo um novo disco do Rolling Stones.


Basta bater o olho em Keith Richards para você saber que ele está nessa por amor. Sua figura já deixa claro que o que quer é tocar e não aparecer em tablóides. Keith não tem medo e nada a esconder, e esse é o grande diferencial de seu livro.

Fala de seus acertos, mas não esconde seus erros. Descreve com perfeição sua relação com as drogas e todas as boas histórias envolvendo heroína, álcool e tudo que tomou. Histórias divertidas que fazem rir (ou não). Também não esconde nada sobre sua relação com Mick Jagger.

Keith Richards parece um adolescente quando fala de seus ídolos e é impressionante seu conhecimento musical. Diz que chegou a assistir a um filme com Chuck Berry para ver as posições de seus dedos da mão esquerda para fazer igual. Despois que aprendeu, foi descontruir tudo aquilo para achar seu som. Maravilhoso, não?

Ele não se prende a explicar como foram feitos todas as músicas e discos, mas passa por eles de maneira maravilhosa, sempre mostrando o contexto, o que estava por trás de tudo, o que acontecia naquele momento descrito, seja o disco, uma viagem, um namoro ou uma composição, e a relação entre a banda.

Incrível também é ver a lucidez de sua memória, relembrando até mesmo alguns diálogos entre músicos, amigos, policiais e juízes. Em certos momentos deixa de se aprofundar em algum momento da banda para dar mais atenção ao lado pessoal, amoroso, falar das drogas, a relação com os amigos (alguns eram músicos de apoio do Rolling Stones). Fala quase nada de Bill Wyman, tudo de Mick Jagger, descreve perfeitamente como era Brian Jones e se mostra um grande admirador de Charlie Watts.

Fala muito bem do período em que passou na França e os bastidores de Exile on Main St. (também assisti ao documentário desse disco).

Há alguns poucos momentos chatos que dá para pular numa boa porque Keith começa a se aprofundar em detalhes técnicos de execução na guitarra e também de equipamento, coisa que para quem não toca, não interessa. Já no final, também por falta de assunto, Keith fala de um Safari que fez com a família, dá a receita de um prato que gosta, enfim, enche lingüiça.

O legal é que o livro não deixa de fora qualquer lenda, dúvida ou outro assunto que tenha acompanhado os Stones ou Richards durante a carreira. São 612 páginas bem editadas e com participação dos amigos em declarações que permeiam o texto, principalmente quando se trata de um assunto mais relevante para Keith.
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Desde O Inferno é Fogo, de 1991, Lobão mudou. Deixou de escrever músicas pop/rock para se afundar numa viajem de samba com rock e tri hop e muito, mas muito verbo. As estrofes curtas e os refrões simples foram substituídos por textos intermináveis de palavras, frases e idéias às vezes incompreensíveis. Em suma, essas músicas não têm o molde das FMs, não têm apelo pop. Nos anos 1990 o Lobão de Cena de Cinema, Ronaldo Foi Pra Guerra, O Rock Errou e Vida Bandida deixou de existir.

Em seus trabalhos pós O Inferno é Fogo há momentos bons, músicas que realmente gosto. Ninguém tem culpa se o que o público quer é o Lobão das letras objetivas e refrões simples. Eu, como fã, considero Cena de Cinema e Ronaldo Foi Pra Guerra obras primas, principalmente o Ronaldo...

Exemplos bem próximos a mim mostram ser difícil que um fã de “Me Chama”, “Corações Psicodélicos”, “Revanche”, “Canos Silensiosos”, “Noite Dia”, “Rádio Blá” e “Chorando no Campo”, goste também de “24 Horas”, “Do Amor”, “O Grito”, “A Véspera” ou “El Desdichado II”.

Encontrei Lobão diversas vezes na minha vida. A primeira vez foi quando tocou em Brasília ainda com Os Ronaldos, em 1984. Depois disso cheguei a entrar em seu camarim em outro show em Brasília, em 1986. Acho que fui a única pessoa de Brasília a comprar o Cena de Cinema. O entrevistei em 2000 para o tantofaz.net, e em 2004 (ou 2005?) trabalhamos juntos na mesma produtora. Ele fazia do Saca Rolha e eu trabalhava no Blog 21. Nos encontrávamos semanalmente.

Lobão tem muita história boa e ela se concentra entre o período em que entrou para o Vímana até 1992. Depois entra em um período conturbado, sempre renegando o rock – que sempre o sustentou – até se tornar independente e lutar pelo direito de ver CDs, DVDs e livros numerados. Mesmo assim essa década de 1990 não foi como os 1980.

50 Anos a Mil é um bom livro, mas peca pelo excesso exatamente porque Lobão perde muito tempo detalhando sua vida na infância e adolescência. Saber sobre a relação de seu ídolo com seu núcleo familiar é importantíssimo, isso diz muito em sua obra, mas há um limite. As 591 páginas bem poderiam ser, tirando daqui, cortano ali e resumindo acolá, 250. De 1975 a 1992 muita coisa acontece em sua vida, de forma intensa.

De uma forma ou de outra, está tudo no livro: a relação com a polícia e demais autoridades, toda história do Cena de Cinema, Ronaldo Foi Pra Guerra, os detalhes das canções que se tornaram hit, como “Me Chama”, sua desavença com Herbert Vianna, a amizade com Cazuza, Júlio Barroso e seus primeiros amigos na música, as drogas, o período na prisão, a bandidagem. Há assuntos tratados com superficialidade e outros mais detalhados.

Nitidamente faltou uma boa edição no livro. Algumas vezes o texto é confuso, e até mesmo histórias não são concluídas. Por exemplo, sua briga com Herbert que diz ter iniciado em 1983 e terminado em 1999. Como, por que e onde terminou? Eu como fã, fiquei com perguntas a serem respondidas. Mas como isso pode acontecer diante de uma biografia de 591 páginas? Pois é....

(Uma única comparação) Diferente dos depoimentos de amigos que há no livro de Keith Richards, que são pontuais sobre determinados assuntos, no livro de Lobão há depoimentos de alguns amigos, mas é uma coisa fria, muitas vezes até saindo de contexto.

Autobiografias são perigosas, mas nesse caso eu conhecia muito bem os protagonistas de Vida e 50 Anos a Mil. Confesso que fui surpreendido pela lucidez de Keith Richards, mas já esperava de Lobão alguns verbos a mais. Senão não seria Lobão...