22 de agosto de 2010

O Visionário

Nasci em Liverpool. Minha família é rica e parte dela mora nos EUA. Minha mãe sempre tocou piano. Sempre fui fã de rock'n'roll: Elvis, Chuck Berry, Little Richard, Jerry Lee Lewis, Buddy Guy. No início dos anos 1960 formei minha primeira banda. Costumava frequentar uma loja de discos perto de casa e acabei conhecendo o filho do dono. O cara era estranho, mas gente fina. Sabia das coisas, então um dia o convidei para assistir ao ensaio da banda e para impressioná-lo, todos colocamos os melhores ternos que tínhamos. Todos acharam estranho, mas foi uma idéia que tive para chamar a atenção dele. Ele foi ao ensaio, ouviu cinco músicas, gostou de nossas canções de amor, e ficamos um bom tempo conversando. Minha idéia deu certo, pois ele achou legal esse negócio de terno. Achou diferente. Depois disso nos falamos mais uma vez e depois não nos vimos mais.

Fiquei puto quando vi esse filha da puta do Brian Epstein ao lado dos Beatles e todos eles de terno. Fui atrás, tentei até processá-lo, mas nada deu certo. Bem, minha banda acabou, não conseguimos nada além de algumas apresentações em rádio, porque todo mundo falava que imitávamos os Beatles. Não aguentamos a pressão.

Pra desbaratinar fui para os EUA na casa de um primo que estudava química e também tocava. Quando cheguei lá, meu primo estava em um encontro de estudantes em Harvard. Dois dias depois ele chegou todo eufórico com novidades. Disse que tinha algo que iria transformar minha vida. Me falou de um professor visionário chamado Timothy Leary, me fez colocar a língua pra fora e pingou uma gota de um tal de LSD. Não deu trinta minutos e estavámos eu e ele alucinados andando pelas ruas de Los Angeles. Isso foi 1965.

Bastou um mês com meu primo para que eu esquecesse esse negócio de Beatles. Foi então quando começamos a fazer um som, e era mania nossa tomar LSD para tocar. Nossas músicas começaram a ter outros caminhos, bem diferente do que todo mundo estava fazendo. Construimos um repertório que as músicas eram ligadas entre elas. Usamos nossos instrumentos como guitarra, baixo, bateria e teclado, mas também utilizamos outros tipos de sons que o LSD nos ajudou a descobrir, como panelas, apitos, percussão, e vários efeitos e barulhinhos. Queríamos mesmo era poder usar orquestra, instrumentos de sopro, mas não tínhamos como conseguir isso.

Uma única vez, com a ajuda de amigos, conseguimos tocar algumas dessas músicas numa grande festa em uma das maravilhosas mansões de Hollywood. Tava todo mundo louco, chapado, e ao final da festa nos apresentaram Brian Wilson do Beach Boys. Ficamos conversando por horas, ele havia pirado em nosso som e estávamos certo de que teríamos a sua ajuda. Mas no dia seguinte era aquele negócio de lembrar o que aconteceu na noite anterior que só fomos nos lembrar da conversa com Brian Wilson quando esse grande filho de uma puta lançou Pet Sounds, com todas as nossas idéias lá. Isso não nos desanimou, mas nos forçou a buscar novas sonoridades. Quando achávamos que estávamos com tudo pronto, veio duas porradas no estômago: uma chamada The Piper at the Gates Dawn e outra Sargent Pepper's Lonely Hearts Club Band. Isso nos fechou a porta nas gravadoras que procuramos.

Resolvi que dessa vez não ia cair em depressão. Então fui estudar violão clássico, e continuamos a tocar, mas sem aquele ímpeto inicial. Nos fechamos e caímos de cabeça no LSD e na maconha. Nossas músicas estavam cada vez mais elaboradas, tanto que uma delas tinha 34 minutos de duração. Era uma viagem.

O LSD e a pílula anticoncepcional mudaram tudo. Estávamos vivendo um momento único. Em 1968, durante uma viagem pela Europa com amigos, conhecemos um cara legal chamado Michael Lang, e ele estava junto quando numa festa em Paris falávamos de criar um grande show onde reuniríamos os grandes nomes da música do momento. Sonhávamos em ver, acredite, Pet Sounds e Sgt Pepper's sendo executados ao vivo, Bob Dylan, The Who, Jimi Hendrix e Janis Joplin. Até falei para minha namorada que poderíamos fazer esse show em sua fazenda em Santa Bárbara, porque aí poderia ser um evento onde todos pudessem armar suas barracas e acampar durante os dias de shows.

Depois disso só fomos ver o tal de Michael Lang no início de junho de 1969 quando ouvimos ele numa rádio anunciando o Festival de Woodstock. Todos os esforços em achá-lo deram errado. Queríamos ou tocar no festival ou ajudá-lo na organização, afinal a idéia era nossa! Sequer conseguimos ir ao festival porque 20 dias antes de começar, um tio meu entrou em coma e nos obrigou a continuar em Los Angeles. E o bonde passou mais uma vez.

A essa altura do campeonato eu já trabalhava na fazenda da família. Me tornei apicultor, mas sem abandonar a música. Porém o som que fazíamos em 1968 e que era algo novo, agora já era carne de vaca. Todo mundo queria fazer músicas de longa duração, misturar a música clássica e o rock, todo mundo foi estudar música clássica. Um saco.

Me enchi desse negócio de rock complicado. Parecia que agora um queria ter mais conhecimento musical que o outro e deu saudades das velhas canções de Chuck Berry. Passei a me desafiar: minha meta agora era fazer uma boa canção com o mínimo de acordes possíveis. Assim comecei a compor músicas mais curtas, mas não só mais curtas, mas mais rápidas e agressivas também.

E foi em 1968 que fui obrigado a fazer uma viagem para Ann Arbor no Michigan para fechar alguns negócios da família. Fiquei lá por uma semana e conheci um cara meio doidão chamado James, em um dia que sai para ir tomar uns drinques.

Me indicaram um bar que tinha música ao vivo. Ficamos conversando sobre música e eu de saco cheio do rock burocrático, fiquei falando um monte a respeito de uma música mais pesada, mais curta e direta. Ficamos lá metendo o pau em um monte de coisas que achávamos absurdas e quando vi, o cara tinha uma banda, pra minha surpresa, se levantou da mesa e foi tocar, um showzinho com poucas pessoas, mas antes olhou pra minha cara e falou: "tô com raiva, você vai ver".

James parecia um ensandecido no palco, rasgou a camiseta, dava microfonada na sua cabeça, se jogava, chegou até a se cortar em um pulo animal que deu em direção à bateria. Nunca ninguém tinha visto o cara daquele jeito. Me senti culpado por toda aquela loucura e, no final, na apresentação da banda, descobri que o apelido de James era Iggy. Iggy Pop. Cara doido, mas que me inspirou muito. Fui embora no dia seguinte, mas a amizade ficou. Em uma das cartas que ele me enviou, havia uma fita com duas músicas gravadas em ensaio e que ele disse que haviam sido inspiradas na conversa que tivemos. Elas se chamavam "No Fun" e "I Wanna be Your Dog". Em 1969 a banda de James, ops, Iggy, The Stooges, foi tocar em Los Angeles para lançar o primeiro disco. Nos vimos novamente e nos divertimos muito. Pelo show percebi que desde aquele dia em que nos conhecemos James se tornou um louco no palco.

Em 1974 tive que ir para Nova Iorque para também tratar de negócios da família. Cheguei lá e pirei, claro. Os negócios com mel estavam indo muito bem e fui pra lá com a responsabilidade de fechar um bom negócio. Durante uma semana frequentei a casa do Dr. Miller, um empresário do ramo da distribuição. Numa dessas idas à sua casa, conheci seu filho Thomas Miller e um amigo dele que estava junto chamado Jeffrey Hyman. Thomas era um guitarrista de mão cheia. Tanto ele quanto o amigo tinham a idéia de formar uma banda de glam rock, tipo David Bowie, Alice Cooper, mas disse a eles que precisavam ser diferentes e não mais um artistas igual aos quer tinham por aí.

Falei que esse negócio de música longa e discos conceituais iam logo ficar fora de moda, que nenhuma rádio queria mais tocar músicas de 20 minutos de duração, além de não fazer sentido surgir um novo Ziggy Stardust. Ficaram lá me olhando com cara de bobos até que peguei seu violão e mostrei algumas idéias que eu estava desenvolvendo. Meu negócio agora era ir ao contrário de todos. Não queria mais solos de guitarra e minhas músicas não passavam de 2 minutos de duração.

Depois desses dias em Nova Iorque, voltei pra Los Angeles, e continuei a busca por uma sonoridade diferente. Era hora de algo novo acontecer. Consegui reunir alguns loucos como eu e formei uma nova banda. Só que agora tocávamos 10 músicas em 20 minutos, cortamos nossos cabelos e nossas barbas, mas continuamos com nosso jeans surrado e camisetas podres. Apesar de todos nós estarmos empolgados com a nossa nova proposta, ninguém queria nos contratar para tocar. Falavam que nossa música era barulhenta demais.

Não nos importamos e continuamos a tocar até que um dia em 1976 caiu em nossas mãos um disco de uma banda chamada Ramones. Quando olhei direito a capa vi o tal do Jeffrey que agora era conhecido como Joey. Não deu outra: peguei um avião para Nova Iorque para saber o que estava acontecendo. Ao desembarcar bastou um telefonema para eu saber que as coisas aconteciam num tal de CBGB's. Quando vi toda aquela cena, com um monte de gente com cabelos curtos, cara sem barba já me assustei, e quando vi a apresentação de algumas bnadas naquela noite, eu quase tive um treco no coração.

Era um tal de Undertones pra cá, Ramones pra lá, Dead Boys acolá. Saí zureta de lá e sem direção. Tudo o que eu tinha falado com Thomas e Jeffrey estava acontecendo no CBGB's. Na hora trouxe a banda para Nova Iorque, alugamos uma casa no Queen's e fomos tentar algo por lá. No final de 1978 resolvemos voltar para Los Angeles, mais uma vez de mãos abanando. Fora algumas apresentações no próprio CBGB's, e em outras casas também pequenas, nada mais conseguimos. Só que dessa vez ao menos tive a ajuda dos agora conhecidos como Tom Verlaine e Joey Ramone, mas foram só promessas que ficaram no ar. Até hoje fico pensando se eu não poderia ter sido um Ramone ou ter feito parte do Televison...

Cara, isso virou uma febre. Principalmente quando Jeffrey e o Ramones foram para Londres. Agora todo mundo queria fazer música barulhenta e curta. Vi que as possibilidades se limitaram, e mais uma vez fiquei de lado. Porém já vacinado, fui em busca de uma nova sonoridade e prometi a mim mesmo que eu não dividiria nada com ninguém.

Tudo era guitarra distorcida, tudo era gritado, tudo era nervoso. Como agora eu tinha um pequeno estúdio em casa, comecei a fazer alguns experimentos com o baixo elétrico e um teclado maluco que eu comprei como sendo a última novidade sonora.

Estou falando do final de 1977. Nessa época meu primo apareceu em casa com um cara chamado Keith Levene, que havia tocado com o The Clash. Empolgado com minhas experiências, meu primo insistiu para eu mostrar alguma coisa para ele ouvir. Então peguei duas músicas inacabadas, as quais a acentuação do baixo era bem maior que as guitarras.

Filha da puta. Até hoje quero matar o Keith Levene... Meses depois de nosso encontro ele transformou minhas idéias em "Low Life" e "Public Image", músicas que estão no primeiro disco do PIL. Filha da puta sem vergonha, safado, cafageste, mau caráter. Processei, mas não ganhei.

De uma vez por todas resolvi abandonar a idéia de me tornar uma estrela do rock e me tornei produtor.

Em 1984 alguns pirralhos me procuraram com alguns trocados loucos para gravar a primeira demo da banda deles. Fiquei com pena e mesmo sendo quase de graça topei ajudá-los, quem sabe eu não poderia ser o George Martin deles? O som era muito bom, mas naquela época as idéias eram mais legais do que a prática. Estavam ainda aprendendo seus instrumentos. O baixista era um animal. Meio perdidos em suas influências, disse que seria diferente se eles colocassem mais funk no punk rock deles, uma coisa mais Sly Stone ou Parliament. E olha hoje no que se tornou o Red Hot Chili Peppers! Eles nunca me agradeceram pela força.

A raiva tomou conta de mim, quis sumir do mapa, e foi o que fiz quando resolvi me mudar para o Brasil. Hoje moro em São Paulo, e sou produtor de bandas Emo.

Por favor, não me pergunte sobre o futuro do rock.

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