26 de agosto de 2010

Série Anos 1990 SP: 5 - Festival Juntatribo

Sérgio Vanalli foi o idealizador e um dos realizadores do festival Juntatribo que teve duas edições: a primeira em agosto de 1993 e a segunda em setembro 1994.

Escrevendo, logo nessa primeira frase já me veio o gosto da terra que “comi” nas duas edições que fui. Mas fora a terra também tinham as fogueiras que ajudavam na hora do frio e que deixavam as roupas com o horrível cheiro de fumaça.

Sérgio estudava engenharia química na UNICAMP, tocava na banda Heaven in Hell e editava o fanzine Broken Strings. Depois de uma viagem à Inglaterra, Sérgio resolveu organizar um festival alternativo, porque o que ele queria mesmo era viver de música.

O local escolhido foi o Observatório a céu aberto da própria UNICAMP, que não só deu espaço e infra estrutura para o local dos shows, mas também a infra estrutura necessária para as bandas, cedendo espaço para elas dormirem, o refeitório e banheiros.

Pelas minhas contas foram 44 bandas nas duas edições. Mas pra falar delas é preciso lembrar-se do contexto, do qual já filosofei: bandas brasileiras cantam em inglês por verem um país sem futuro. Das 44 bandas, 8 tinham seu repertório em língua portuguesa. E de todas as participantes, as que se deram melhor na carreira foram justamente as que cantavam em português: Raimundos e Planet Hemp. A escalação do festival é o retrato fiel do que aconteceu na cena underground brasileira de 1990 a 1995.

Não lembro muito bem das noites que fui tanto em 1993, quanto 1994. O que lembro é da terra vermelha na cara, do cheiro de fumaça, da confusão que deu com os “punks” durante o show do Garage Fuzz – com guerra de terra que sobrou até para o Farofa, e a boa aceitação do Raimundos. Lembro do monte de carros estacionados, gente pra todos os lados, inclusive tenho certeza que muita gente que foi ao festival, não viu nenhum show. Uma doidêra.

Você vai poder reparar nos vídeos postados aqui o visual grunge do pessoal, e a mistura pacífica entre cabeludos, punks, alternativos – outra característica dos anos 1990.

Juntatribo serviu também para mostrar o quanto o interior era rico em bandas: No Class, Muzzarelas, Línguachula, Killing Chainsaw, Happy Cow, Concreteness. A amizade dessas bandas interioranas com as da capital já existia antes do festival, e depois dele essa interação só aumentou. Para as bandas da capital era normal fazer shows em Campinas, Jundiaí, Limeira, Americana, Santa Bárbara D’Oeste, Piracicaba e era normal ver essas bandas que citei acima tocando no Retrô, Der Temple, Cais, Aeroanta. A 89Fm e o Lado B da MTV também davam a devida força. E foi justamente um festival realizado no interior de São Paulo que acabou marcando de forma definitiva essa cena underground de São Paulo. Mas além das principais bandas de SP, o Juntatribo teve Drivellers (RJ), Brincando de deus (Salvador), Oz (Brasília), Resist Control (Curitiba) e outras de fora.

O clima foi dos melhores, não lembro de nenhum contratempo, nada que tenha marcado negativamente – só o palco que caiu no 1º dia e obrigou as bandas de sexta se apresentarem no sábado (acho que isso aconteceu na edição de 1993). Inclusive pra mim foi um flashback porque entre 1989 e 1990 eu tinha amigos na UNICAMP e costumava ir a festas nas repúblicas de Barão Geraldo, e fiz várias boas baladas noturnas no Observatório.

De madrugada era muito frio, então eram várias fogueiras com muita gente em volta delas fumando e bebendo. Não havia polícia enchendo o saco, e nem precisaria.

Entre as bandas não houve nenhum destaque. Eu gostava de Killing Chainsaw, IML, Garage Fuzz, Croncreteness, Loop B, Happy Cow, OKotô, só pra ficar nas de SP (capital e interior).

Todas elas fizeram bons shows. O vento foi a favor do festival, da organização, do som, e de toda a bagunça feita no Observatório (no bom sentido). Foi de fato o nosso Lollapalooza.

Na edição de 1994, que a MTV cobriu (leia-se Lado B de Reverendo Massari e Daniel Benevides), sobrou pra mim montar o especial com os três dias do festival. Foi uma delícia editá-lo. Eram duas câmeras: uma de frente para o palco fazendo os planos gerais e outra em cima do palco, além das entrevistas que Reverendo fez com todas as bandas. Lembro que comecei o programa com um clipe de imagens gerais com “Tommy Gun” de fundo. Esse material (pelo menos as bandas ao vivo) está todo ele no You Tube.

Como eu tinha casa em Piracicaba, que fica mais perto de Campinas uns 20 ou 30 minutos, nas duas vezes que fui ao Juntatribo, acabei indo dormir em Pira com uma galera. Com todos bêbados e cheirando fumaça, cada um se jogou num canto e dormiu pesado.




Juntatribo 1 (17, 18 e 19 de agosto de 1993)
Dia 17: Muzzarelas, Lethal Charge, Tube Screamers, Safari Hamburgers, Raimundos
Dia 18: Heaven in Hell, Línguachula, Happy Cow, Killing Chainsaw, Pin Ups, Skijktl
Dia 19: Waterball, Mickey Junkies, Low Dream, Magazine, OKotô, Second Come

Juntatribo 2 (16, 17 e 18 de setembro de 1994)
Dia 16: Cervejas, Pinheads, Intense Manner Of Living (IML), Beach Lizards, Garage Fuzz, Anarchy Solid Sound, Resist Control, Concreteness, No Class
Dia 17: Wry, Drivellers, Magog, Killing Chainsaw, Oz, Pelvs, Brincando de deus, Adventure, Loop B
Dia 18: Lucrezia Borgia, Relespública, Little Quail, Boi Mamão, Virna Lisi, Línguachula, Câmbio Negro, Planet Hemp, Daizy Down


A maioria das fotos que ilustram esse post são de Adriano Moralis:
http://www.flickr.com/photos/moralis/sets/72157614302922290/

Torrent de 8 giga com Juntatribo completo em vídeo! (postado em março/2014)
http://thepiratebay.se/torrent/9707664


Esse post eu dedico à Fábio Leopoldino, ex-guitarrista e vocalista do Second Come que nos deixou em 11 de maio de 2009.


Juntatribo 2 – Geral


Juntatribo (Rolé do Phú cafageste que mostra o “dormitório” das bandas)


Juntatribo (Geral. Raimundos, OKotô, galera, Muzzarelas)


Killing Chainsaw (entrevista + som)


Safari Hamburgers (1993)

22 de agosto de 2010

O Visionário

Nasci em Liverpool. Minha família é rica e parte dela mora nos EUA. Minha mãe sempre tocou piano. Sempre fui fã de rock'n'roll: Elvis, Chuck Berry, Little Richard, Jerry Lee Lewis, Buddy Guy. No início dos anos 1960 formei minha primeira banda. Costumava frequentar uma loja de discos perto de casa e acabei conhecendo o filho do dono. O cara era estranho, mas gente fina. Sabia das coisas, então um dia o convidei para assistir ao ensaio da banda e para impressioná-lo, todos colocamos os melhores ternos que tínhamos. Todos acharam estranho, mas foi uma idéia que tive para chamar a atenção dele. Ele foi ao ensaio, ouviu cinco músicas, gostou de nossas canções de amor, e ficamos um bom tempo conversando. Minha idéia deu certo, pois ele achou legal esse negócio de terno. Achou diferente. Depois disso nos falamos mais uma vez e depois não nos vimos mais.

Fiquei puto quando vi esse filha da puta do Brian Epstein ao lado dos Beatles e todos eles de terno. Fui atrás, tentei até processá-lo, mas nada deu certo. Bem, minha banda acabou, não conseguimos nada além de algumas apresentações em rádio, porque todo mundo falava que imitávamos os Beatles. Não aguentamos a pressão.

Pra desbaratinar fui para os EUA na casa de um primo que estudava química e também tocava. Quando cheguei lá, meu primo estava em um encontro de estudantes em Harvard. Dois dias depois ele chegou todo eufórico com novidades. Disse que tinha algo que iria transformar minha vida. Me falou de um professor visionário chamado Timothy Leary, me fez colocar a língua pra fora e pingou uma gota de um tal de LSD. Não deu trinta minutos e estavámos eu e ele alucinados andando pelas ruas de Los Angeles. Isso foi 1965.

Bastou um mês com meu primo para que eu esquecesse esse negócio de Beatles. Foi então quando começamos a fazer um som, e era mania nossa tomar LSD para tocar. Nossas músicas começaram a ter outros caminhos, bem diferente do que todo mundo estava fazendo. Construimos um repertório que as músicas eram ligadas entre elas. Usamos nossos instrumentos como guitarra, baixo, bateria e teclado, mas também utilizamos outros tipos de sons que o LSD nos ajudou a descobrir, como panelas, apitos, percussão, e vários efeitos e barulhinhos. Queríamos mesmo era poder usar orquestra, instrumentos de sopro, mas não tínhamos como conseguir isso.

Uma única vez, com a ajuda de amigos, conseguimos tocar algumas dessas músicas numa grande festa em uma das maravilhosas mansões de Hollywood. Tava todo mundo louco, chapado, e ao final da festa nos apresentaram Brian Wilson do Beach Boys. Ficamos conversando por horas, ele havia pirado em nosso som e estávamos certo de que teríamos a sua ajuda. Mas no dia seguinte era aquele negócio de lembrar o que aconteceu na noite anterior que só fomos nos lembrar da conversa com Brian Wilson quando esse grande filho de uma puta lançou Pet Sounds, com todas as nossas idéias lá. Isso não nos desanimou, mas nos forçou a buscar novas sonoridades. Quando achávamos que estávamos com tudo pronto, veio duas porradas no estômago: uma chamada The Piper at the Gates Dawn e outra Sargent Pepper's Lonely Hearts Club Band. Isso nos fechou a porta nas gravadoras que procuramos.

Resolvi que dessa vez não ia cair em depressão. Então fui estudar violão clássico, e continuamos a tocar, mas sem aquele ímpeto inicial. Nos fechamos e caímos de cabeça no LSD e na maconha. Nossas músicas estavam cada vez mais elaboradas, tanto que uma delas tinha 34 minutos de duração. Era uma viagem.

O LSD e a pílula anticoncepcional mudaram tudo. Estávamos vivendo um momento único. Em 1968, durante uma viagem pela Europa com amigos, conhecemos um cara legal chamado Michael Lang, e ele estava junto quando numa festa em Paris falávamos de criar um grande show onde reuniríamos os grandes nomes da música do momento. Sonhávamos em ver, acredite, Pet Sounds e Sgt Pepper's sendo executados ao vivo, Bob Dylan, The Who, Jimi Hendrix e Janis Joplin. Até falei para minha namorada que poderíamos fazer esse show em sua fazenda em Santa Bárbara, porque aí poderia ser um evento onde todos pudessem armar suas barracas e acampar durante os dias de shows.

Depois disso só fomos ver o tal de Michael Lang no início de junho de 1969 quando ouvimos ele numa rádio anunciando o Festival de Woodstock. Todos os esforços em achá-lo deram errado. Queríamos ou tocar no festival ou ajudá-lo na organização, afinal a idéia era nossa! Sequer conseguimos ir ao festival porque 20 dias antes de começar, um tio meu entrou em coma e nos obrigou a continuar em Los Angeles. E o bonde passou mais uma vez.

A essa altura do campeonato eu já trabalhava na fazenda da família. Me tornei apicultor, mas sem abandonar a música. Porém o som que fazíamos em 1968 e que era algo novo, agora já era carne de vaca. Todo mundo queria fazer músicas de longa duração, misturar a música clássica e o rock, todo mundo foi estudar música clássica. Um saco.

Me enchi desse negócio de rock complicado. Parecia que agora um queria ter mais conhecimento musical que o outro e deu saudades das velhas canções de Chuck Berry. Passei a me desafiar: minha meta agora era fazer uma boa canção com o mínimo de acordes possíveis. Assim comecei a compor músicas mais curtas, mas não só mais curtas, mas mais rápidas e agressivas também.

E foi em 1968 que fui obrigado a fazer uma viagem para Ann Arbor no Michigan para fechar alguns negócios da família. Fiquei lá por uma semana e conheci um cara meio doidão chamado James, em um dia que sai para ir tomar uns drinques.

Me indicaram um bar que tinha música ao vivo. Ficamos conversando sobre música e eu de saco cheio do rock burocrático, fiquei falando um monte a respeito de uma música mais pesada, mais curta e direta. Ficamos lá metendo o pau em um monte de coisas que achávamos absurdas e quando vi, o cara tinha uma banda, pra minha surpresa, se levantou da mesa e foi tocar, um showzinho com poucas pessoas, mas antes olhou pra minha cara e falou: "tô com raiva, você vai ver".

James parecia um ensandecido no palco, rasgou a camiseta, dava microfonada na sua cabeça, se jogava, chegou até a se cortar em um pulo animal que deu em direção à bateria. Nunca ninguém tinha visto o cara daquele jeito. Me senti culpado por toda aquela loucura e, no final, na apresentação da banda, descobri que o apelido de James era Iggy. Iggy Pop. Cara doido, mas que me inspirou muito. Fui embora no dia seguinte, mas a amizade ficou. Em uma das cartas que ele me enviou, havia uma fita com duas músicas gravadas em ensaio e que ele disse que haviam sido inspiradas na conversa que tivemos. Elas se chamavam "No Fun" e "I Wanna be Your Dog". Em 1969 a banda de James, ops, Iggy, The Stooges, foi tocar em Los Angeles para lançar o primeiro disco. Nos vimos novamente e nos divertimos muito. Pelo show percebi que desde aquele dia em que nos conhecemos James se tornou um louco no palco.

Em 1974 tive que ir para Nova Iorque para também tratar de negócios da família. Cheguei lá e pirei, claro. Os negócios com mel estavam indo muito bem e fui pra lá com a responsabilidade de fechar um bom negócio. Durante uma semana frequentei a casa do Dr. Miller, um empresário do ramo da distribuição. Numa dessas idas à sua casa, conheci seu filho Thomas Miller e um amigo dele que estava junto chamado Jeffrey Hyman. Thomas era um guitarrista de mão cheia. Tanto ele quanto o amigo tinham a idéia de formar uma banda de glam rock, tipo David Bowie, Alice Cooper, mas disse a eles que precisavam ser diferentes e não mais um artistas igual aos quer tinham por aí.

Falei que esse negócio de música longa e discos conceituais iam logo ficar fora de moda, que nenhuma rádio queria mais tocar músicas de 20 minutos de duração, além de não fazer sentido surgir um novo Ziggy Stardust. Ficaram lá me olhando com cara de bobos até que peguei seu violão e mostrei algumas idéias que eu estava desenvolvendo. Meu negócio agora era ir ao contrário de todos. Não queria mais solos de guitarra e minhas músicas não passavam de 2 minutos de duração.

Depois desses dias em Nova Iorque, voltei pra Los Angeles, e continuei a busca por uma sonoridade diferente. Era hora de algo novo acontecer. Consegui reunir alguns loucos como eu e formei uma nova banda. Só que agora tocávamos 10 músicas em 20 minutos, cortamos nossos cabelos e nossas barbas, mas continuamos com nosso jeans surrado e camisetas podres. Apesar de todos nós estarmos empolgados com a nossa nova proposta, ninguém queria nos contratar para tocar. Falavam que nossa música era barulhenta demais.

Não nos importamos e continuamos a tocar até que um dia em 1976 caiu em nossas mãos um disco de uma banda chamada Ramones. Quando olhei direito a capa vi o tal do Jeffrey que agora era conhecido como Joey. Não deu outra: peguei um avião para Nova Iorque para saber o que estava acontecendo. Ao desembarcar bastou um telefonema para eu saber que as coisas aconteciam num tal de CBGB's. Quando vi toda aquela cena, com um monte de gente com cabelos curtos, cara sem barba já me assustei, e quando vi a apresentação de algumas bnadas naquela noite, eu quase tive um treco no coração.

Era um tal de Undertones pra cá, Ramones pra lá, Dead Boys acolá. Saí zureta de lá e sem direção. Tudo o que eu tinha falado com Thomas e Jeffrey estava acontecendo no CBGB's. Na hora trouxe a banda para Nova Iorque, alugamos uma casa no Queen's e fomos tentar algo por lá. No final de 1978 resolvemos voltar para Los Angeles, mais uma vez de mãos abanando. Fora algumas apresentações no próprio CBGB's, e em outras casas também pequenas, nada mais conseguimos. Só que dessa vez ao menos tive a ajuda dos agora conhecidos como Tom Verlaine e Joey Ramone, mas foram só promessas que ficaram no ar. Até hoje fico pensando se eu não poderia ter sido um Ramone ou ter feito parte do Televison...

Cara, isso virou uma febre. Principalmente quando Jeffrey e o Ramones foram para Londres. Agora todo mundo queria fazer música barulhenta e curta. Vi que as possibilidades se limitaram, e mais uma vez fiquei de lado. Porém já vacinado, fui em busca de uma nova sonoridade e prometi a mim mesmo que eu não dividiria nada com ninguém.

Tudo era guitarra distorcida, tudo era gritado, tudo era nervoso. Como agora eu tinha um pequeno estúdio em casa, comecei a fazer alguns experimentos com o baixo elétrico e um teclado maluco que eu comprei como sendo a última novidade sonora.

Estou falando do final de 1977. Nessa época meu primo apareceu em casa com um cara chamado Keith Levene, que havia tocado com o The Clash. Empolgado com minhas experiências, meu primo insistiu para eu mostrar alguma coisa para ele ouvir. Então peguei duas músicas inacabadas, as quais a acentuação do baixo era bem maior que as guitarras.

Filha da puta. Até hoje quero matar o Keith Levene... Meses depois de nosso encontro ele transformou minhas idéias em "Low Life" e "Public Image", músicas que estão no primeiro disco do PIL. Filha da puta sem vergonha, safado, cafageste, mau caráter. Processei, mas não ganhei.

De uma vez por todas resolvi abandonar a idéia de me tornar uma estrela do rock e me tornei produtor.

Em 1984 alguns pirralhos me procuraram com alguns trocados loucos para gravar a primeira demo da banda deles. Fiquei com pena e mesmo sendo quase de graça topei ajudá-los, quem sabe eu não poderia ser o George Martin deles? O som era muito bom, mas naquela época as idéias eram mais legais do que a prática. Estavam ainda aprendendo seus instrumentos. O baixista era um animal. Meio perdidos em suas influências, disse que seria diferente se eles colocassem mais funk no punk rock deles, uma coisa mais Sly Stone ou Parliament. E olha hoje no que se tornou o Red Hot Chili Peppers! Eles nunca me agradeceram pela força.

A raiva tomou conta de mim, quis sumir do mapa, e foi o que fiz quando resolvi me mudar para o Brasil. Hoje moro em São Paulo, e sou produtor de bandas Emo.

Por favor, não me pergunte sobre o futuro do rock.

16 de agosto de 2010

Série Anos 1990 SP: 4 - Dama Xoc

Para alguns o Dama Xoc foi o templo das bandas covers e, de fato, todas elas tocaram lá. A força de sua importância está concentrada até 1993-94. Assim como seu vizinho Aeroanta, para falar de Dama Xoc é preciso voltar à segunda metade dos 1980.

O Dama Xoc surgiu em 1988. Foi lá o show de despedida do RPM, em fevereiro de 1989. Ao contrário de outras casas, não sei quem era o dono (ou os donos) e era basicamente uma casa de shows. Não tinha pista de dança, comidas ou outros atrativos.

Eram dois ambientes: o de entrada, onde ficava o bar, sofás e mesas, que era o lugar pré show em que a galera ficava bebendo e conversando; e o ambiente do fundo onde ficava pista e o palco. Lá tinha uma arquibancada de dois degraus em uma das paredes laterais, e que ia de ponta a ponta, havia um "mezanino" onde ficavam mesas que eram servidas por garçons. Não sei dizer quantas pessoas cabiam lá, mas acredito que entre 700 e 800.

Alguns shows no Dama Xoc marcaram minha memória. Um dos primeiros que fui era o lançamento do primeiro disco do Conexão Japeri, de Ed Motta. Não havia muita gente. Também lembro bem do show do De Falla, em que a banda gravou para lançar disco ao vivo (Screw You). Não tinha ninguém no Dama Xoc e fui com Johnny Monster. Além de nós, se tinha mais cinco pessoas de público era muito. Foi ducarai. Na gravação deu tudo errado.

O som estava uma bosta, e todo mundo ficou nervoso. Muita coisa teve que ser refeito em estúdio. O show foi legal, só que mais parecia ensaio, porque parava a toda hora, até mesmo no meio das músicas. Pra nós que estávamos de fora foi legal, mas pra quem estava dentro, foi uma merda. Mas marcou. Ficamos ao lado de (Carlos Eduardo) Miranda na mesa de som, quietinhos como múmias hahaha.

Também teve o histórico show do Ramones. Foram três noites. Na primeira, com o lugar abarrotado, lembro de encontrar na fila de entrada o Digão (Raimundos). Era aquela fila enorme na calçada, carros passando devagar, gente pra todos os lados e, de repente, vejo Digão dirigindo um carro e passando lentamente pelo Dama Xoc. Gritei e ele disse que estava chegando de Brasília naquele momento, nem conhecia nada de SP. Parou o carro e colou na fila comigo. Ele estava com a namorada e mais um casal de amigos. Botamos a conversa em dia e ele me jogou na mão uma fita demo do Raimundos, a primeira gravada com Fred.


Ficamos lá conversando durante muito tempo até que o Dama Xoc abriu. Ao chegar na catraca, a namorada de Digão que tinha 17 anos foi barrada e os dois ficaram na porta se explicando, fui ajudar, mas o segurança foi super delicado comigo me mandando sair dali, assim acabei me perdendo dele, mas sei que todos entraram e viram o show. Logo após o show Digão entrou no carro e voltou pra Brasília. Se não me engano foi isso. São de 10 a 12 horas de estrada. A história desse show já postei aqui no início do blog.

Lá também tinha muito show de metal. Nuclear Assault é outro que lembro (com abertura do Sepultura). Estava abarrotado e durante o show o palco foi uma zona de tanta gente que subia para dar mosh ou simplesmente ficar andando de um lado para o outro.

No camarim do Dama Xoc conheci os irmãos Cavalera. Esse camarim também tem boas histórias. Ele ficava na lateral do palco e era alto. Você tinha que subir algumas escadas e nele havia dois ou três ambientes. Tinha uma janelinha redonda, uma espécie de escotilha, que dava pra ver, do alto, a pista e parte do palco. No primeiro show do Ramones no DX lembro de ver a cara de Joey Ramone na escotilha olhando o público no show de abertura do RDP.

Lá não tinha só shows grandes, também rolavam bandas pequenas. Lembro de assisitir Laura Finocchiaro, que ninguém conhecia. A Plebe Rude fez seu show de lançamento do 3º disco. Várias bandas gravaram discos ao vivo no Dama Xoc. Além de De Falla, teve Volkana e Barão Vermelho, além de bandas evangélicas e de pagode. O Barão é um caso a parte, porque foi ele que fez o show de inauguração do Dama Xoc (abaixo vídeo da TV Cultura).

Nessa final da década de 1980, digo de 1988 até 1990, o Dama Xoc serviu de salvação para muita banda e artista grande, porque como a crise não nos deixava com muito dinheiro para se divertir, o palco do Dama servia como meio termo, já que esses artistas não enchiam casas maiores e não cabiam nas menores.

Dama Xoc e Aeroanta ficavam coisa de, no máximo, três quarteirões de distância. Os dois no Largo da Batata. O Aero na Rua Miguel Isasa, 404 e o Dama Xoc na Rua Butantã, 100. Ali também tinha um boteco que seria de esquenta para a entrada, e era mais difícil de conseguir entrar na faixa. Não era como as outras casas que você ia pra se divertir, ver shows e continuar ali se divertindo. No Dama Xoc você ia apenas para ver o show. Acabava o show, era ir dali para outro lugar (ou outro show ou algum bar).


A tal crise econômica atingiu de cheio o Dama Xoc, exatamente por viver basicamente de show. Por isso, entre 1990 e 1992, a maioria deles eram de bandas covers. Todas que você puder imaginar. Inclusive a estréia do U2 Cover foi em 10 de maio de 1989 no Dama Xoc... data significativa para o universo cover. Em meio a essas bandas, male male os shows autorais continuavam.

Mas o Dama Xoc não tinha a mesma energia das outras casas, exatamente pelo fato de ser muito frio, não acolhia as bandas que formavam o cenário underground alternativo. Não lembro de ter visto por lá shows como Killing Chainsaw, Pin Ups, Yo Ho Delic, Rip Monsters, Okotô, Loop B e outras. Foi muito mais significativo para a cena metal. Inclusive lá rolou uma memorável jam com Sepultura, Korzus e Ratos de Porão, na despedida do RDP que ia para sua primeira turnê internacional.

Quando surgiu o Garage, tô falando de 1994, o Dama Xoc já não era o mesmo. O Garage também ficava algo como dois quarteirões do Dama Xoc. Em seus últimos anos a mistura musical foi maior, já que a casa abriu espaço para bandas de música evangélica e grupos de pagode. As últimas apresentações com a casa já em franca decadência foram do Rage e Grave Digger em 1997. O espaço pode até ter continuado aberto por mais anos, mas aí já era outra coisa.

Dama Xoc marcou época sim. Abrigou grandes shows, mas não ficou marcado como um point e nem era essa a intenção.

Lista de alguns shows que aconteceram lá:


Barão Vermelho, Conexão Japeri, Marcelo Nova e Raul Seixas, Legião Urbana (show fechado), Plebe Rude, Ramones, Nuclear Assault, RDP, Sepultura, De Falla, Korzus, Projeto S (Schiavon ex-RPM), RPM (show de despedida), Supla, Ira!, Violeta de Outono, Fábrica Fagus, Gueto, New Model Army, Capital Inicial, DRI (Korzus abrindo), Lobotomia, Napalm Death, Asia, Rage, Grave Digger, Patrulha do Espaço, Golpe de Estado, Zero, Paralamas, Titãs, Tim Maia, Sepultura, Golpe de Estado, A Chave, Viper, Korzus, Taffo, Avalon, Anjos da Noite, Biquini Cavadão, bandas covers (Police, Frank Zappa, Duran Duran, Queen, Pink Floyd, Guns’n’Cover...).


Entrevista com Barão Vermelho no camarim do Dama Xoc
http://www.tvcultura.com.br/metropolis/blog/28227




Raul Seixas e Marcelo Nova


Golpe de Estado


Azul Limão


RPM


Ramones


Skid Row Cover


Madonna Cover


Cure Cover


Biquini Cavadão


Deep Purple Cover

14 de agosto de 2010

Série Coisa Fina: 2 - Red Hot Chili Peppers

A primeira vez que ouvi RHCP foi em 1985, mas foi apenas a música “Mommy Where’s Daddy” que estava perdida no meio de outras gravadas numa fita que era uma coletânea. Ela estava ali apenas por se tratar de uma banda que “foi produzida por Andy Gill do Gang of Four”. A Turma de Brasília era (e é) muito fã de Gang of Four.

Até que um belo dia de 1986 alguém me aparece com outra fita, mas agora era inteira com o disco Freaky Styley. Não deu outra, fiz uma cópia. Não demorou muito para eu ver o clipe de “Jungle Man”, que provavelmente passava no Som Pop, e em uma ida para São Paulo, achei sem querer o disco para vender na antiga loja Hi Fi da rua Augusta. Nem sabia que a gravadora tinha lançado o disco aqui.

Em Brasília não foi todo mundo que gostou da banda. Lembro que eu passava tardes em casa escutando o disco e fazendo air guitar. Discaço!

Em abril de 1987 me mudei para São Paulo. Lembro de uma loja de discos muito boa que existia na praça Vilaboim em Higienópolis onde virei cliente assíduo. Foi nela que um belo dia encontrei para vender o The Upflit Mofo Party Plan. Foi um espanto, primeiro porque não sabia que a banda tinha lançado disco novo (aqui no Brasil ninguém ainda a conhecia e a principal revista da época, Bizz, nunca falava nada de RHCP). Lembro até que escrevi uma carta raivosa para a revista reclamando dela nunca ter falado de uma banda tão revolucionária como Red Hot Chili Peppers.

Inocência minha por ainda não conhecer os bastidores do showbusiness: apesar de ter lançado dois discos da banda aqui no Brasil, a gravadora não dava jabaculê para ela tocar em rádio ou sair em reportagens. Essa carta para a Bizz eu nunca enviei (e a achei dias desses em um caderno velho). Pensei “foda-se. Se ninguém conhecer a banda melhor pra mim”. Aí meu repertório de Red Hot Chili Peppers para air guitar aumentou. Eu realmente ficava acabado ao escutar Freaky Styley e Upflit... Era um na seqüência do outro.

Em 1988 conheci Johnny Monster no colégio e uma das primeiras bandas que apresentei a ele foi exatamente o RHCP. Claro que chapou. Fiz sozinho e com tinta tecido uma camiseta do Red Hot Chili Peppers, porque não existia nada da banda nem na Galeria do Rock.

Nessa época eu e Johnny formamos nossa primeira banda que, apesar de não ter feito show, gravamos uma demo e a chamávamos carinhosamente de Tomate Acústico (o tomate era homenagem velada ao RHCP por ser vermelho como as pimentas...aff).

Meu sentimento durante anos era de que o Red Hot Chili Peppers era uma banda só minha. E RHCP realmente foi só meu até 1991, quando lançou Blood Sugar Sex Magic. Aí a gravadora resolveu trabalhar a banda aqui no Brasil e acabou virando carne de vaca. Lembro inclusive que Caito Maia, hoje dono da Chili Beans, que na época morava em Miami e disse que em todos os lugares só tocava "Give it Away" e eu pensei "fudeu!".
Tomate Acústico em 1988 e minha camiseta do RHCP

verdadeiro Red Hot Chili Peppers está registrado em The Upflit Mofo Party Plan, que foi quando a banda de fato achou sua sonoridade. Hillel Slovak continua imbatível, apesar de eu adorar e aprovar Frusciante, seu melhor e fiel discípulo. O RHCP perfeito é Kieds, Flea, Slovak e Jack Irons.

Hoje eu tô rindo à toa porque tudo o que eu não vi ou li sobre a banda nos anos 1980 eu posso ver e ler agora através do You Tube e outros sites.

Hillel Slovak Rules!!!!!!!!!!!!!



















12 de agosto de 2010

Prêmio Museu da Música Brasileira

Antes de tudo que fique claro aqui que eu gosto muuuito de MPB. Gosto de Caetano, Chico, Gil, Maria Bethânia, Tropicália, Vinicius de Morais, Ney Matogrosso, Zé Ramalho. Tenho muitos discos de todos esses artistas que falei e muitos outros como Almir Sater, Helena Meirelles, Rolando Boldrin, Tonico e Tinoco, Tim Maia, 14 Bis. Fora que já fui a muitos shows desses artistas.


Fato é que nessa 4ª feira, dia 11 de agosto, aconteceu mais um desses prêmios de música. É aquela velha ladainha dos artistas se encontrarem, para um rasgar a seda para o outro, entrevistas, tapete vermelho, protocolos, roupas chiquérrimas, e muita badalação para absolutamente nada.


Eu digo que esse prêmio de ontem foi sim uma vergonha nacional, um constrangimento só.


Digo mais, esse prêmio deveria se chamar Prêmio Múmias da Música Brasileira ou Prêmio MPB 1970 ou Prêmio Tirando o Pó da Estante ou Prêmio MPB Nada de Novo ou Prêmio Foda-se a Renovação.


Fica difícil escolher um entre esses nomes, porque qualquer um se encaixaria perfeitamente no que aconteceu nessa 4ª feira. Pra mim o melhor seria Prêmio Foda-se a Renovação.


Não dá pra entender como na categoria Canção onde havia três escolhas, as três serem de interpretação de Maria Bethânia. Só existe ela no Brasil?


Rica como é nossa música, não entendo o motivo pelo qual há apenas três escolhas para cada categoria. Quem é otário?


A melhor dupla sertaneja ganhou os novatos Zezé Di Camargo & Luciano. Até entendo já que Vitor & Léo e Edson & Hudson são veteranos, estão aí desde a década de 1960 e já ganharam muita coisa. Isso sem falar que Edson & Hudson já era, não existe mais!


O duro foi escolher o melhor cantor entre Caubi Peixoto, Fagner e Zeca Baleiro. O certo seria não entregar o prêmio a nenhum deles.


Melhor disco de MPB foi para Maria Bethânia, assim como Melhor Cantora também. O melhor cantor foi Ney Matogrosso. Como não havia prêmio MPB em 1973, então resolveram dessa forma. Mas não é que se não tivesse sido eles, poderia ter sido algo inovador. Não! Concorrendo com eles estavam nomes como João Bosco e Nana Caymmi.


Mas agora há uma super categoria moderna e inovadora: Pop/Rock/Reggae/Hip Hop/Funk. Sensacional! Em melhor disco dessa categoria moderna estavam concorrendo Caetano Veloso, Zélia Duncan e Erasmo Carlos. Ganhou Erasmo, afinal seu disco se chama ‘Rock’n’Roll’ e isso ajudou pacas as pessoas votarem no certo. Óbvio que numa categoria pop/rock ganhe um disco chamado Rock’n’Roll. Essa foi fácil!


O Melhor Grupo de pop/rock entre Móveis Coloniais de Acajú, mundo livre sa e Paralamas do Sucesso, adivinhe quem ganhou? Indo na mesma toada, claro que os novatos do Paralamas. O Móveis não ganhou por se tratar de uma loja de Móveis da rua Teodoro Sampaio e todos os votantes ficaram indignados em ver essa falha grotesca em colocar uma loja para concorrer a um prêmio musical. Onde já se viu isso?


Para Melhor Cantor de Pop/Rock tinha Lulu Santos, Ed Motta e Caetano Veloso. Passo...


Para Melhor Cantora havia Zélia Duncan, Daniela Mercury e Céu. Ganhou Zélia Duncan, mas fiquei estupefato em ver que Maria Bethânia não concorria a essa categoria. Mais uma vez a banca de jurados protestou, afinal não sendo um prêmio de astrologia, como podem colocar Céu?


Esse foi o Prêmio Samba do Crioulo Doido. Nessa tal categoria Pop/Rock/Reggae/Hip Hop/Funk não tinha reggae, hip hop e nem funk. De pop e rock o que tinha era Paralamas, Móveis, mundo livre e Lulu Santos, ou seja, 1/3 dos indicados de fato eram da categoria o resto era encaixe.


O resto foi na mesma toada, deixando de lado a renovação para dar força a quem já está praticamente aposentado. Deixaram de dar prêmio para o incrível Pequeno Cidadão para dar ao Partimpim 2 de Adriana Calcanhoto, que fez o Partimpim 1 que é incrível, mas tá bom, né? Ainda bem que Música de Brinquedo do Pato Fú não concorreu, porque se tivesse perdido eu mataria um!


Depois vem a imprensa, as gravadoras, os empresários e metem o pau na falta de novos nomes para a música brasileira que é uma das mais ricas do mundo.

Eu fico triste com tudo isso. Por mais que a nova geração ainda precise aprender muito, não custa nada premiar nomes como Céu, Móveis Coloniais de Acaju e Vitor & Léo, que de fato mereciam sair com prêmios na mão. Talvez não por mérito pela obra, mas como uma força para que as velhas instituições e os velhos da mídia possam ver que há luz no fim do túnel. Sem esse estímulo de onde os novos nomes vão tirar força para continuar o trabalho.


O que poderia ser um estímulo a renovação, foi na verdade uma contemplação ao mais do mesmo.


PS: Aguardem ano que vem a homenagem ao Carcará de Maria Bethânia

8 de agosto de 2010

Série Anos 1990 SP: 3 – Filosofia barata sobre a virada da década

Mosh no Garage (1993)**
O rock brasileiro feito na primeira metade dos anos 1990 começa a se explicar no final dos anos 1980. Foi a soma de vários acontecimentos que o tornou praticamente internacional. A corrupção cabeluda do governo Sarney acrescido da corrupção cabeluda do governo Fernando Collor de Melo, fez o país afundar de vez.

Houve mudanças drásticas na economia, invenção de planos econômicos micados, cortes de zeros, ganhos com inflação, mudanças de moedas. Uma verdadeira bagunça econômica que deixava todo mundo perdido. O primeiro desses planos foi o plano Cruzado, onde todos ganhavam com a inflação (???), assim o consumo aumentou tanto que começou a faltar produtos nas prateleiras, inclusive os supérfluos.

OKotô no Aeroanta (1994)**
Todo mundo saiu ganhando. Na música, todos os artistas solos ou bandas vendiam horrores. Quem não vendia é porque era ruim mesmo. Foi nesse cenário que RPM se tornou fenômeno, vendendo 2 milhões de cópias em mais ou menos seis meses (estouro perecido Mamonas Assassinas fez no 2º semestre de 1995). As agendas de shows estavam abarrotadas.

Mas passada essa euforia, o absurdo de se ganhar com inflação, os economistas cabeças-de-bagre começaram a mudar as coisas novamente e aos poucos o poder de compra do cidadão foi desaparecendo. Quando chegou 1989, o país estava afundado, ninguém tinha dinheiro. E agora, mesmo quem tinha carreira estável, se viu afundado em fracasso de vendas e agenda cada vez mais vazia.

Em se tratando de qualidade, os discos brasileiros já tinham melhorado muito desde os primeiros lançamentos dessa geração em 1981 e 1982 (Gang 90, Blitz, Lobão, João Penca, Léo Jaime). Pode-se pegar o exemplo do Titãs e comparar o primeiro disco da banda com o Jesus Não Tem Dentes...

Pica Pau do Kangaroos in Tilt
Ainda em 1989 tiveram lançamentos que venderam muito bem como As Quatro Estações (Legião), Õ Blésq Blom (Titãs), O Tempo Não Pára (Cazuza) e Cardume (Nenhum de Nós). Agora se você perceber os lançamentos ocorridos entre 1990 e 1991, com exceção de O Papa é Pop (Engenheiros do Hawaii), verá que não venderam tão bem como os anteriores: V (Legião), Tudo ao Mesmo Tempo Agora (Titãs), Estraño (Nenhum de Nós), Por Que Ultraje à Rigor? (Ultraje), Os Grãos (Paralamas). Álbuns que se você escutar perceberá a boa qualidade, porém com baixas vendagens.

Essa baixa repentina se deve ao governo Collor, que confiscou o dinheiro dos brasileiros e acabou com o Ministério da Cultura e todo e qualquer incentivo nesse sentido. Aí azedou de vez. A perspectiva para a nova geração não era nada boa, até porque ela tentou surgir, as gravadoras tentaram renovação, mas justamente a crise atrapalhou. Gueto, Nau, Skowa e a Máfia, Inimigos do Rei, Picassos Falsos, Hojerizah, Conexão Japeri, são exemplos de boas bandas que gravaram, mas não vingaram.

Killing Chainsaw no Juntatribo (1994)
Assistindo a tudo isso estava à próxima geração, que deixou de acreditar no que era feito aqui e passou a olhar apenas para fora do país. Timidamente chegou a MTV. A abertura da importação também ajudou. Mas um fato foi definitivo para que essa nova geração acreditasse que podia fazer música internacional: Beneath the Remains, primeiro lançamento do Sepultura pela Roadrunner Records, e seguido dele, em 1991, veio Arise. Vixi!

Mas independente do sucesso de Sepultura, já em 1989 começaram a surgir Killing Chainsaw, Harry, Pin Ups, Yo Ho Delic e outras bandas que além de não enxergarem futuro no país, também não eram grandes fãs do rock brasileiro.

Na noite paulistana, depois do fim das danceterias, começaram a surgir casas com DJ e música eletrônica tipo MARS (“Pump Up the Volume”), Les Rita Mitsouko (“C’est Comme Ça”) e o rock com eletrônica tipo Stone Roses e Happy Mondays.

Analisando de forma geral, o cenário não estava para rock. As casas eram Rouge, Nation, Columbia, Aeroanta e essa virada de década também ficou marcada pela invasão das bandas covers. As casas que continuavam com música ao vivo, não tinham dinheiro para contratar as bandas que agora estavam grandes e não havia bandas medianas que chamassem público, então a saída barata era contratar bandas que tocavam músicas covers, que foram se profissionalizando cada vez mais e se tornando especialistas em determinados nomes estrangeiros. A mais famosa delas foi a U2 Cover, que nesse período 1990-93 chegou a ganhar mais dinheiro que muito artista autoral consagrado. O próprio Aeroanta foi precursor nessa história de cover, porque depois do grande sucesso que teve a noite Black, outras noites temáticas foram criadas e festas com elas, que aconteciam durante a semana, faziam grande sucesso. Assim essas festas e bandas covers ganharam vida própria.

Little Quail no Aeroanta (1994)**
Mas mais uma vez as coisas começaram a mudar com a queda do governo Collor e a chegada de Itamar Franco. Em 1993 veio mais uma nova moeda, o Cruzeiro Real, e a tentativa de frear a inflação e achar definitivamente uma fórmula estável para a economia brasileira. Mas a mudança era para o bem e os reflexos começaram a ser sentidos já em 1993, quando começaram a surgir novas casas de shows em São Paulo. Também em 1993 a MTV Brasil começava a fazer efeito entre os jovens, mas o mercado de clipes ainda não estava bem, tanto é que a própria MTV produziu alguns clipes exatamente com a intenção de estimular as gravadoras e produtoras (leia-se produtoras de filmes publicitários).

E foi com o circuito Aeroanta, Retrô, Der Temple, Cais que uma nova cena underground passou a ser desenhada. Tudo foi acontecendo naturalmente.

Muita gente já se encontrava no Aeroanta, no Dama Xoc, Cais e conforme as casas iam abrindo, elas entravam no circuito, principalmente as que ficavam na região central da cidade. As bandas começaram a pipocar e quando uma achava um local de show, logo outras estavam lá tocando.
Capa do 1º disco de Pin Ups (1990)

Aeroanta, Retrô, Der Temple, Cais, Garage, Dama Xoc, Britânia, Phoenix, Urbano, Columbia, Black Jack, Woodstock, Dynamo. Essas são algumas das casas com música ao vivo que eu lembro dessa época. Tinham outras, mas não muito significativas ou que apareceram e desapareceram rapidamente.

Bandas também tinham zilhares, escorriam pelos dedos, mas as mais freqüentes nesse circuito conhecido eram: Tube Screamers, Kangaroos in Tilt, OKotô, Yo Ho Delic, Rip Monsters, Pin Ups, Stigmata, Pit Bulls on Crack, Volkana, Little Quail, Killing Chainsaw, Muzzarelas, Garage Fuzz, Croncreteness, Mickey Junkies, No Class, Pinheads, Loop B.

Pit Bulls on Crack (1993)**
E todo mundo se encontrava nos shows, nos bares. Todo mundo via show de todo mundo. Todo mundo tocava com todo mundo. Todo mundo sonhava em apresentar sua fita para a Roadrunner ou até mesmo Def Jam. Todo mundo queria juntar dinheiro para ir morar em Los Angeles, Londres ou Nova Iorque. Todo mundo queria ter um clipe para rodar na MTV, mas poucos conseguiam.

Ninguém pensava no Brasil. Até chegar 1995. Até chegar Raimundos, Chico Science & Nação Zumbi, Skank, Planet Hemp, O Rappa e Pato Fú.

** Fotos exclusivas