30 de dezembro de 2009

Arnaldo Baptista

Nesse 1º de janeiro de 2010 se completa 28 anos da tentativa de suicídio de Arnaldo Baptista. Em dezembro assisti ao documentário sobre ele.

A primeira vez que me deparei com o Lóki? foi exatamente em 1982, quando vi o disco na antiga loja Punk Rock, do Fábio (Olho Seco) que ficava na rua Augusta. No meio de tantos discos punks e hardcore, como Rattus, Exploited, estava lá o Lóki? destoando de tudo. A cena daquele dia lembro como se fosse hoje.

Anos mais tarde, em 1987, finalmente conheci o Lóki? – esse foi o ano que abri a cabeça para além do punk rock/pós-punk/hardcore. Led Zeppelin e Arnaldo Baptista foram as grandes descobertas desse período. Claro, fiquei maluco.

Na época eu ainda tocava e compunha muito. Ao escutar Arnaldo mudei meu jeito de escrever e pensar música.

Desde então escuto com frequência Lóki? e Elo Perdido. São mais do que clássicos. Nem sei em que patamar colocar esses dois discos.

Na faculdade (que fiz de 1992 a 1997) eu tinha uma colega de classe que vendia as camisetas pintadas pelo Arnaldo. Comprei várias, as tenho até hoje e nunca usei. Estão bem guardadas. Ela tinha alguma ligação com a mulher dele, mas não lembro qual era. Foi ela que me deu um toque de que ele iria fazer uma apresentação sem divulgação em um bar discreto que ficava ao lado do Aeroanta. Isso devia ser 1994 ou 95 e fomos até lá acho que em 5 pessoas.

Quando chegamos ele já estava tocando a primeira música. Era só ele e um teclado que, se não me engano, era um DX7. Mas Arnaldo ainda não estava muito bem, tocou apenas 3 ou 4 músicas, bem desafinado e com certa dificuldade. Era um bar pequeno desses com luz baixa e com mesas espalhadas (típico para o marido traidor levar a amante). Não havia palco. Apesar da apresentação um tanto esquisita, os poucos presentes se emocionaram e aplaudimos com satisfação. Foi demais.

Foi um momento histórico, mágico e pra poucos. Eu nem estava acreditando no que estava vendo, mas quem viu duvido que acreditaria que um dia ele iria voltar a cantar, tocar, a gravar disco e até mesmo retomar o Mutantes.

Também é bom registrar que foi em 1989 que Lobão gravou uma versão de “Sexy Sua” e Miranda lançou o Sanguinho Novo. Apesar de ter sido uma das músicas de trabalho do disco, nem “Sexy Sua” e nem o Sanguinho tiveram a devida repercussão. Arnaldo também não estava bem. Mas pelo menos viu-se que parte da classe artística não havia esquecido dele.

Viva Arnaldo Baptista e sua obra!

25 de dezembro de 2009

A Volta do Vinil?

Semana que passou a Deck Discos anunciou a compra da única fábrica de vinil do Brasil que fica no Rio de Janeiro. Com ela, vai lançar em vinil uma porção de artistas de seu casting. Bem legal.

João Gordo e Lobão são dois artistas que defendem a volta do vinil. É justo. Agora não me venham ligar essa volta com o fim da pirataria. Há quem diga que, com o vinil, a pirataria cairia vertiginosamente. Digo que a pirataria iria ficar na mesma com a volta do vinil. Isso pra mim seria apenas mais uma opção de formato. Aliás, o melhor formato, pelo produto e pela qualidade sonora.

Já disse aqui e repito: depois do surgimento do mp3 a pirataria não acabará nunca. Façam o que for. Mesmo que volte a só existir vinil, qualquer um liga a pick up no computador e pronto, as músicas estarão na rede.
O formato sim é legal. Ter a capa maior, o encarte, ficha técnica, lado A e lado B, letras maiores, detalhes mais perceptíveis, som mais grave e fiel.
Difícil será também arrumar espaço nesses apartamentos mais novos por serem bem menores que os antigos dos anos 1980 pra trás. Onde guardar vinis e pick ups?
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Volto a ressaltar a maravilha que é a tecnologia, de poder nos proporcionar exatamente essa ligação entre o vinil e o computador. Quantos e quantos discos brasileiros independentes bons existem por aí e que se não fosse um fã, eu e tantos outros jamais teríamos oportunidade de conhecer trabalhos bons e obscuros. Mas não só independentes. Há muitos discos maravilhosos que as grandes gravadoras deixam apodrecendo nos arquivos ao invés de relançarem em CD. Dizem que há perda de dinheiro, que não compensa, mas essas gravadoras não podem ter o direito de nos privar de ter gravações históricas, discos que gostamos, que marcaram uma época.

Lembro, por exemplo, que a antiga gravadora do Capital Inicial só relançou seus discos em CD para pegar o bonde do sucesso do Acústico. Se não fosse isso, até hoje não teríamos os discos do CI em CD. A própria Legião Urbana, uma das bandas de rock brasileiro que mais vendem até hoje, teve seus primeiros CDs lançados com demora, ainda assim primeiro em caixa especial (uma nota) e só depois vendidos separadamente.

Então que volte o vinil, que os fabricantes de vitrolas ganhem muito dinheiro, que as gravadoras fiquem felizes e que ninguém corte o meu barato de poder escolher em pagar ou não por música.

21 de dezembro de 2009

Hare Hare

Nesse último mês por causa de um trabalho me envolvi com o tema Hare Krishna. Ouvi muita contradição de quem se diz devoto. Pregam a não violência, porém uma figura respeitada diz que na Índia em algumas discussões de transito a polícia chega já batendo e resolve tudo ali dessa forma. A pessoa contou isso achando bom “assim ninguém precisar ir para delegacia, fazer BO e perder um tempão. Já resolve ali”. Acredito não ser certo um devoto de Krishna achar isso bom.
Outro não menos importante fala a toda hora que não é certo fazer bicho sofrer, que não é certo comer carne. Porém em um outro momento, contando uma espécie de lenda ou história antiga que falava de guerreiros, diz que eles podiam caçar e comer carne. Questionado por causa da caça e dos guerreiros carnívoros, o devoto só disse “eles podiam, eram guerreiros”.


Declarações e atitudes diversas também deixaram transparecer que existe um certo machismo em suas tradições, por mais que as mulheres não assumam ou concordem com tudo, há machismo. Homens acomodados sequer servem seus próprios pratos ou ajudam em tarefas domésticas (claro que não devem ser todos, mesmo assim...). Tomei susto também quando me disseram que não se pode comer na cozinha!?! Pra mim é quase como dizer que não se pode fazer xixi no banheiro.

Desculpe, respeito às crenças, mas há coisas absurdas que pedem questionamento, e quando questionadas, não são satisfatoriamente explicadas, ou explicadas de uma forma absolutamente abstrata.

Pessoas de um Templo disseram que não tinham muito contato com outras pessoas do dia a dia, apenas com colegas de Templo e outros devotos. Isso é péssimo para quem se diz espiritualmente elevado, até porque uma das formas de se elevar espiritualmente é ter uma vida social ativa, ter contato com outras pessoas, porque é assim que aprendemos, erramos e acertamos. É só convivendo perto do pecado que você saberá se é espiritualmente forte ou não. O que adianta um advogado estudar a vida inteira se nunca pisar em um tribunal? Como um devoto passa a vida inteira se dedicando a elevação espiritual se não a testa com ninguém?
Outra coisa que não entendo é esse negócio de horário para rezar – e isso existe também em outras religiões. Que eu saiba rezamos a todo instante, rezamos de coração. Rezo em qualquer lugar e a qualquer hora. Basta fazer de coração e com sentimentos sinceros. Para conversar com Deus não é preciso marcar hora.

Outras coisas me chamaram a atenção, mas não pude questionar. Falam de evolução espiritual através do bem e do desapego material, mas é sabido que não basta não fazer o mal, é preciso praticar o bem e isso os Hare não fazem. Nenhum deles faz qualquer ação beneficente, nenhuma, zero, nada.

Olha, pensei que fosse aprender alguma coisa, mas só fiquei mais confuso. Pra mim a impressão que ficou foi: quem come carne é inferior, e quem não come carne e segue Krishna é evoluído e não precisa dos que são inferiores. Que tudo gira em torno da alimentação.


5 de dezembro de 2009

Modest Mouse

Aí vai um pouco de uma das melhores bandas dos últimos tempos:








Série O Resgate da Memória 13 - Lobão

Segue reportagem com Lobão feita pela revista Bizz em julho de 1986. Na época Lobão estava lançando o disco 'O Rock Errou'. Com direito a Cabra Cega, que o artista escutava uma música e a comentava sem saber o que era e também depoimento dos Ronaldos.

Foram duas horas de entrevista e seis de bate-papo. O resultado está nas páginas seguintes. Antes, porém, um pouco de história, já que Lobão está nesta vida de rock´n´roll há onze anos.
João Luís Woenderbarg (seu verdadeiro nome) tem 28 anos, é de Libra, ascendente em Sagitário, com a Lua em Touro. No horóscopo chinês é Galo - "cara de cocorocó bravo", como ele disse. Em 1975 foi tirado de sua doce vida com a música clássica, para tocar bateria no grupo Vímana. Segundo a crítica da época, uma boa banda de rock que não durou muito. Depois disso passou a ensaiar, durante nove meses, com o ex-tecladista do grupo Yes, Patrick Moraz. Daí sairia o segundo casamento de Lobão - desta vez com a ex-mulher de Moraz, Liliane, doze anos mais velha que ele.

Em 1980, Incentivado por Marina, deixou a toca. Esbarrou em Evandro Mesquita, então do grupo de teatro Asdrúbal Trouxe o Trombone e, juntos, fundaram a Blitz, com Lobão ainda na bateria. A proposta inicial da banda era fazer uma caricatura dos grupelhos de rock e showbiz em geral. Porém, na hora de gravar o disco, a produção veio com aquelas velhas histórias: "Essa música não pode ser assim, esta outra também não...". A banda topou e Lobão pulou fora.
Trabalhou com Lulu Santos, Gang 90, até gravar seu primeiro LP solo em 82, intitulado Cena de Cinema. E mais elogios da crítica.


Um terceiro casamento e o encontro com os Ronaldos - quase todos amigos de infância - viriam fazer dele uma pessoa novamente gregária. No amor, com Alice - a Pink Punk da Gang 90. Na música, com Baster, Odeid, Guto e a própria Alice (Lobão nos vocais e guitarra base). Lançaram o LP Ronaldo Foi para a Guerra, em 84, desprezado pela gravadora mas respeitado pelos roqueiros. Alice pulou fora - inclusive do enlace - e Lobão continuou com os outros membros do grupo. Até que, como todos sabem, se separaram. E veio o quarto casamento, com Daniele Daumerie, 17 anos. De novo em carreira solo ele gravou o LP O Rock Errou.

Lobão tem a língua solta - fala de tudo e de todos, sem xilocaína. Uns dizem que ele se aproveita disso para ganhar ibope, outros que ele não passa de um babaca. Já alguns à sua volta o cultuam como gênio. Será?! Confira você mesmo.

Quem sou eu?
Eu sou kamikaze, cara. Faço o que gosto - se não der, não deu. Agora, pior que a morte é você viver no formol. Não adianta ter sucesso, não faço essa coisa de dar grana.
Sou pedante, pernóstico, assoberbado. Uso isso caricaturalmente, para mim mesmo. Tem algumas polêmicas que eu, óbvio, lanço, pergunto e me questiono. Tem outras que eu jogo, como em um jogo de pôquer..

O Rock errou?
Isso é um álibi. "O rock errou" é uma frase-chave que, para mim, é sensacional. E um disco de entressafra - fiquei quatro meses enclausurado meditando, namorando, meditando... Quando pensei "O rock errou" foi: "Pô, tem tantas músicas que estão iguais aos outros períodos... Então, já que errou, eu posso chegar e colocar isso como conceito. Posso colocar ele em ritmo de jazz, tocar samba, fazer uma homenagem a James Brown, dá até para fazer rock, de maneira errada ou certa.
Antes de mais nada, é um álibi para eu poder fazer o que eu acho que estou afins de fazer. O rock errou? Telefona para a Sunab. Eu não tenho nada a ver com isso.

Hooked on Classics
Bach era pop. Agora, tem coisas do clássico que eu acho um saco. John Cage, para mim, é um saco. A música tem de entrar pelo meu ouvido e sair boa..., ou sair dor. Não gosto de ver concerto em máquina de escrever - muito bonito conceitualmente. Acho até válido, como Debussy e Ravel que jogavam o piano do quarto andar - PAAN! - porque achavam que eram as últimas possibilidades deles. Bacana. Mas não vou ser eu que vou comprar um disco desse piano caindo, cara. Eu não estou maluco, está entendendo?

Chico e Caetano
Quando falei mal de Chico e Caetano, eu quis criar a polêmica. Nunca fui inimigo do Caetano e só falo mal de quem eu gosto. Além disso, usei este questionamento para ver como o próprio metiê brasileiro está usando sua própria palavra. Se é abusiva, se não é. Se é bem colocada ou não. Se é excessivamente ética. Se é absolutamente hospitalar. Certas pessoas chegaram para mim: "Como você faz isso? Falar mal de baluartes?" Você acha que o homem das cavernas achou fogo como? O atrito gera fogo. Basta lidar com o atrito para que ele seja criativo. Não é o caso, como dizem, de eu querer ganhar Ibope em cima do cara.
Caetano e Chico de crachá! Por mais bem-humorada que seja aquela abertura do programa, é sintomática. Crachá, cara. Para receber um grande salário. Estou cansado de falar mal deles..., pô, Tenda dos Milagres do Caetano é linda.
Eu até tinha me proposto a trabalhar junto (no especial da Globo). Mas aí pensei: vou esperar para ver. E vi, porque - poxa - quero ter um embasamento para falar. No começo, achei um barato. Ao vivo. Agora, a conduta que o programa tomou..., achei, primeiro, uma puxação de sardinha incomensurável. Tudo bem, é uma sardinha que precisa ser queimada, afinal de contas. Agora, achei que foi a maior perda de oportunidade para que houvesse uma troca de informações maior. Ninguém pode se achar com o rei na barriga. Nem nós, nem eu, nem eles.

Pai Nosso que Estais no Céu
Eu sou um cara místico, no fim das contas. A religião é ritualística e o misticismo abstrato. Ultimamente tenho orado muito por Deus, acho que ele não é Onisciente. Acho uma irresponsabilidade, uma covardia colocá-lo numa posição de onipotência. Se Ele fosse onipotente e onisciente, não brincaria de erro com a humanidade. Mas, como a humanidade erra, estamos sofrendo - errando e acertando - em prol de urna coisa maior, de um inconsciente coletivo.
Então, acho que Deus merece ser levado por nós. Em vez de pedirmos benefícios para nós, seria melhor pedir benefícios para Ele próprio; que se resolva logo e pare de brincar de autorama com a gente, por exemplo.

Rock in Brazil
Eu acho que o rock brasileiro está vigoroso. Pó, eu fui para Nova York e neguinho se amarrou. O rock é uma coisa internacional, uma linguagem realmente universal.
Agora, é preciso um método, uma vontade. Atitude e coragem, como diria Glauber Rocha, arte é coragem. Isso não acontece porque neguinho tem síndrome de macaquito. Aquele grupo, por exemplo, que é a cara do U2. O que vai acontecer? Neguinho vai ouvir e dizer: é U2. O outro é a cara do Police...
Acho que um mínimo de originalidade você tem de levar. Antropofagia digerida, destilada.

Ronaldos
Tenho o mix deles. Achei do cacete. Poderia ter sido melhor produzido - não há falhas, mas por causa de falta de tempo no estúdio, precariedade de verba, essas coisas. Mas se existe uma coisa genuína que eu conheço são os Ronaldos. Músicas do cacete e superbem tocado.
Eu saí e fui saído do grupo, porque não há nada unilateral. Primeiro, houve problemas de stress de estrada e ingenuidade generalizada. Depois de 150 shows, ainda não tínhamos descoberto a ORTN. Enquanto as pessoas estavam ganhando trinta, quarenta milhões para fazer um show, nós fazíamos por dois e meio porque eram sempre marcados com muita antecedência. E o Guto tem família. Isso tudo foi uma das causas.
A outra é que eu tenho uma personalidade difícil. No começo tinha também a Alice, mas ela deixou bem claro: era um ano e depois ela saía. Eram três compositores. Saiu ela, ficamos eu e o Guto. Quando estávamos elaborando o segundo LP, tinha um problema com a mulher dele, que saco! Onde ele vai, ela vai atrás...
Eu era a única pessoa que dizia "eu não agüento mais!" Eu gravei "Decadence..." já tocando guitarra, só eu. "Mal Nenhum" gravei com o (luto ainda, relutante, ele já estava insatisfeito mas não dizia. Ficava querendo me retratar: "Você está andando com más companhias, está se destruindo!" Pô, eu tenho meu metabolismo.
Não foram os Ronaldos que saíram amotinados, foi uma coisa gradual. Eu estava num pique de tomar muita heroína e eles ficavam com medo: "Go junkie, sai dessa". "Eu sei, eu sei... Sou auto-suficiente", falava. Aí fui ficando cada vez pior. Fiquei morrendo de raiva deles e eles de mim. Falei mal deles, eles de mim. Hoje sinto a maior saudade.

Rock Europeu, Rock Americano
Lá está tudo seco. São darks e eu não agüento isso. O Echo & the Bunnymen, por exemplo. O Ian MaCullouch é um puta poeta mas, musicalmente, não posso achar bacana. Tem coisas do cacete. Prince é do cacete. Mas são coisas esporádicas, não é um movimento E tanta merda. Não é que vou ficar com o dedinho para cima, não. Sou sério! Agora, não sou entediado, sou raivoso. Já que não morri até agora, entediado é que não vou ficar. Uma coisa passiva, escrota, babaca. Reclama, mas não fica impondo tédio a ninguém. Tédio já existe nas ruas do mundo.

João Luís, o Lobão
O apelido vem do colégio. É porque eu como muito. E detesto aquelas coisas de "me dá um teco", "me dá um pedaço", quando estou comendo alguma coisa. Não é por sovinice, não, é porque é a minha dose. Então eu comprava a minha dose, todo mundo pensava que eu comia à pampa, punha aqui um queijo quente, um cachorro quente, um milk shake, um banana split e dois sucos, isso só para mim. E comprava um hambúrguer, botava tudo espalhado na mesa de pingue-pongue e dizia: "Quem quiser toma, come esse aqui, mas não me encham o saco". Aí começaram a ver aquela coisa toda, eu comendo alucinado, e como eu sempre usava macacão, sempre uso, o pessoal ficava assim: "Oh, lobo mau, lobo mau..." E daí veio Lobão.

Punk, Heavy Metal, Silêncio
Sem silêncio a coisa não vinga. O punk, por exemplo, não tem silêncio. E tipo trígono na testa. Acho legal como manifestação política. O heavy metal já é outra coisa, um onanismo musical, masturbação, puberdade.
Agora, o silêncio é importante para se criar alguma coisa. É a mesma coisa que você perguntar para um desenhista se ele prefere criar uma página em branco. Tem de ter basicamente o branco, o silêncio, e daí você parte para qualquer coisa. Mas tem de ter o cuidado de não invadir muito esta paralisação, para que aquilo se torne uma coisa audível.

Um lobo solitário?
O rock´n´roll é uma coisa gregária. Aí eu fui transar com outras pessoas - neste disco (O Rock Errou) o Torquato foi um produtor de estúdio que tocou guitarra, o João e o Jurim, todos me ajudaram. Me senti agregado a eles ao fazer um trabalho solo, tanto é que na contra-capa estão todos canonizados. "Lobão" era o nome da empresa... Eu acho que eu sou um cara solitário, independentemente de ser gregário ou não.
Mas eu tenho uma coisa de grupo muito forte - eu era baterista, e baterista tem que ser gregário. Cena de Cinema, poxa, quem participou foi o Lulu Santos, a Marina, a Blitz antes de ser Blitz - o Antonio Pedro, o Barreto... Não sou uma pessoa despótica em estúdio. Se alguém tem uma sugestão melhor que a minha, vou acatar. Quero um resultado final legal. Num disco solo eu tocaria bateria, baixo - que eu sei tocar melhor que guitarra - e guitarra também. Poderia fazer, e ainda vou acabar fazendo, por curiosidade...
Mas, por querer ser gregário, para provar para mim mesmo e para os Ronaldos, "viu, não sou tão egocêntrico assim!", fiz questão de não tocar nenhum instrumento neste disco. Muita gente tinha falado que eu estava em uma egotrip, e eu senti que precisava provar a eles que eu estava sendo injustiçado, que não era bem aquele o ponto da ferida, eu querer tocar todos os instrumentos...

Fragmentos de vários discursos
"Música tem de ter uma dose mínima de entretenimento - simpatia, empatia perante as coisas".
"Quando digo "barulho basta eu que faço", quero dizer "destas dez ao luar, basta eu a tocar! Mas para ouvir prefiro Bach".
"Me sinto genuíno musicalmente. Pode ser ruim, pode ser mal... Mas é a minha cara".
"Acho que Hitler leu Nietzsche e pirou. E ficou achando que o super-homem era o homem ....... Hitler era um pintor equivocado, que comia as fezes de Eva Braun."


Cabra cega
"Outside Tokyo", Stranglers - Parece uma valsinha. Bem gravado. Não agüento este tipo de música. Não agüento mais gente desafinada. Não, não, pára! Eu juro, eu confesso, quem é essa pessoa cantando? Não agüento mais esse tédio. Tédio europeu na veia.

"As Minas do Rei Salomão", Raul Seixas - Tem cara de demo tape. Raul Sexless. Ele já foi legal, quando gravou isso. Podia ter maior qualidade de som naquela época. Merece respeito. O rock´n´roll é uma besteira. Rock, basta eu tocando.

"Cross Your Legs", Arto Lindsay - Interessante. A princípio, muito interessante. Gostei do baixo e bateria. Se demorar mais cinco compassos assim, vou achar chato. Ah! Obrigado. Não, não..., criativos os garotos, mas insuportável de se ouvir. Se eu parei é porque não gosto. Afoxé isso aí? E uma falta de imaginação. Muita tecnologia. Pelo menos o cara do surdo toca bem. Rock ainda ouço alguns nacionais, mas de lá de fora! E árido, muito árido. Um James Brown frustrado.

"Streets of Laredo", John Cale - Isso é americano. O que é isso? Excesso de tédio, horrível..., não... cacofonia, cara! Isso é tortura musical. Engodo.

"Mediocridade Afinal", Smack - Parece que é a melhorzinha. Demora muito. Introdução enorme. Só para causar irritação na gente? É instrumental esta música? E português. Grupo de língua portuguesa pelo menos. Pó, eu não queria ficar falando mal de ninguém assim. E o mais legal. Não me emociona nem mais, nem menos. O tédio não me convence nem me fascina mais. Já foi muito ousado. Raiva sim. Senão adoraria ficar olhando as amebas. Pelo menos são mais punks.



O que pensam os Ronaldos?

Guto (guitarrista e criador do termo "Ronaldo"):
"Não quero falar sobre isso. Já foi há tanto tempo, já se passaram tantas coisas. Não sei o que dizer sobre isso. Não concordei com o que tava acontecendo em volta dele, na casa dele. A gente não conseguia produzir mais nada. Eram milhões de pirações. Neguinho muito louco. Todo mundo é um indivíduo. Quando não há espaço, pula-se fora".

Baster (baterista, irmão de Guto, amigo de infância de Lobão):
"Me desentendi com Lobão no estúdio no começo da gravação do novo LP. Mas na verdade tudo foi fruto de desgaste. Muitas viagens juntos, aquela coisa de banda, quarto de hotel. Ele é muito cabeça-dura. Não o critico por isso. Só não queria ser vítima de coisas que ele fazia. Nossa amizade gelou na época, mas tudo passou e agora somos amigos de novo. Gosto muito dele, freqüento sua casa. Foi só isso".

Odeid (baixista):
Cada um de nós teve um desentendimento diferente com ele. O lance do (luto foi mais desentendimento pessoal, já que eles se conhecem desde infância. Eu só fui conhecê-lo com os Ronaldos. Meu lance ligou-se mais à saída do Baster. Guto já tinha saído e o clima ficou esquisito. A gente já não ensaiava mais, a coisa tava mecânica. A separação deu-se há exatamente um ano. A gente ia tocar em Juiz de Fora e o Lobão não apareceu. Eu não dou razão a mim ou ao Lobão, mas senti que tava na hora, não tava rolando mais camaradagem. Eu não briguei com Lobão, mas não dava razão a certas coisas que ele fazia".

Alice (cantora, tecladista, ex-companheira de Lobão):
Eu não queria tocar teclado, eu queria cantar, entende? Foi por isso que saí do grupo. Não foi bem uma briga de egos. Além do mais, eu tinha uma relação emocional com ele e alguém tinha que sair da banda para não ferir o outro. Saí eu. Na verdade, foi tudo um acúmulo de coisas.